Violência em comunidade do Cerrado: pistoleiros atacam no Tocantins
Por Rafael Oliveira, CPT Araguaína/Tocantins
A comunidade camponesa Tauá, localizada no munícipio de Barra do Ouro (TO), vive situação de violento conflito. Nas últimas duas semanas, casas e roças das famílias camponesas foram destruídas por pistoleiros supostamente a mando dos grileiros Emílio Binotto e seu filho, Edilson Binotto, empresários cuja família tenta expulsar há mais de uma década trabalhadores e trabalhadoras da comunidade tradicional.
Membros do grupo também foram ameaçados e intimidados pelos capangas que rondam diariamente a área. Em um vídeo gravado durante uma das ações dos pistoleiros, o líder do bando, conhecido por Fernandão, afirma que todos os barracos construídos recentemente seriam derrubados. Nessa ocasião, mesmo sendo filmados, os agressores cortaram com motosserra e jogaram ao chão um barraco de madeira e palha que a família acabara de erguer.
Atualmente não há nenhuma ordem judicial que permita a destruição de barracos ou despejo de qualquer morador da comunidade. Muito pelo contrário: a criação de dois assentamentos foi publicada em portaria oficial do Incra no início deste ano, e outras 10 áreas estão passando por processos administrativos dentro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para também serem criados assentamentos que atenderão às demandas das famílias camponesas.
Em audiência realizada em agosto de 2017, o juiz da Comarca de Goiatins determinou realização de perícia judicial na área para identificar quem de fato tem a posse das terras, quais as benfeitorias, quais são áreas da União entre outros quesitos. No entanto, estranhamente o requerente da ação – a família Binotto – não realizou o pagamento das custas periciais dentro do prazo determinado pelo juiz.
Os casos de violência são denunciados há anos pelas famílias camponesas, porém não há nenhuma investigação em curso pela Polícia Civil Agrária. Na expectativa de que medidas urgentes fossem tomadas, no último dia 17 de julho, a comunidade Tauá, com apoio do regional Araguaia-Tocantins da Comissão Pastoral da Terra (CPT), denunciou a situação ao Incra (Ouvidoria Agrária Regional e Nacional), Defensoria Pública, Ministério Público Federal, Polícias Militar e Civil.
A demora do Incra e do Programa Terra Legal em darem rápido andamento às etapas de criação dos assentamentos e regularização fundiária é peça chave para o agravamento dos conflitos. Diversas audiências públicas e reuniões já foram realizadas com esses órgãos, porém, a morosidade e os compromissos não cumpridos impedem a finalização dos processos.
Uma sistemática destruição do Cerrado
A gleba Tauá tem sido o alvo constante de desmatamento realizado pelo empresário catarinense Emilio Binotto, o qual grilou essa área para plantar soja, milho e criar gado. Em maio de 2015, ao menos cinco tratores com correntões foram responsáveis por derrubar todo o Cerrado que encontravam pela frente.
À época, o sojeiro pretendia desmatar uma área equivalente a cerca de 800 campos de futebol, mas esta estimativa já foi superada. A área total desmatada desde a chegada de Binotto pode atingir 11 mil hectares. Acompanhadas pela CPT de Araguaína (TO), cerca de 20 famílias tradicionais (que vivem há mais de 50 anos nesta gleba) e outras 66 famílias que passaram a ocupar as terras na última década, estão ficando ilhadas e encurraladas diante da força brutal do desmatamento e da violência exercida pelos funcionários do sojeiro-grileiro, Sr Binotto.
Rios, córregos e nascentes estão desaparecendo devido ao assoreamento ocasionado pela devastação da natureza. “Antes eu andava por essas terras e sabia exatamente onde ficava cada grota d’água, cada caminho para as casas das famílias amigas. Hoje em dia, com esse desmatamento, eu não reconheço mais nada, não sei mais caminhar por aí”, denuncia dona Raimunda.
Em muitos casos, o corte desenfreado das árvores chega a beirar as casas das famílias, deixando o local impróprio para desenvolver qualquer tipo de agricultura familiar. “Essa prática serve também como forma de pressionar as famílias para que elas saiam dali, pois nota-se que o grileiro desmatou, mas não plantou nada. Mas o pior vem depois, quando a soja ou o milho são plantados nos arredores e são despejados os diversos tipos de agrotóxicos”, aponta o agente e coordenador da CPT, Pedro Ribeiro.
Uma sistemática tentativa de expulsão dos camponeses
Assim, como tantos outros casos, as causas do atual conflito na gleba Tauá remetem à arrecadação de uma área de 17,7 mil hectares pelo extinto Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins (GETAT), em maio de 1984, à revelia das populações que ali viviam e trabalhavam.
Com isso, centenas de camponeses tiveram seu modo de vida tradicional alterado de forma drástica. Essa imensa área da União, a partir de 1992, passou a ser cobiçada por especuladores do sul do Brasil. Considerando que essas terras estavam “sem dono”, iniciaram um processo de expulsão dos moradores tradicionais, de cercamento dos campos e de desmatamento ilegal. Toda essa violência foi registrada junto ao Ministério Público Federal, em 2007.
A partir de 2009, houve novas tentativas de expulsar os camponeses, com o advento do Programa Terra Legal. Uma parte da gleba foi dividida entre 14 “laranjas” que iniciaram processos para regularizar essas terras junto ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Neste contexto ocorreram vários episódios de queima de barracos, envenenamento de rios, uso ilegal de força policial local em apoio aos fazendeiros, desmatamento, pistolagem, na tentativa evidente de expulsar as famílias.
Diante da onda de violência que se alastra entre comunidades camponesas em luta por terra, a CPT vem expressar seu apoio e sua solidariedade às pessoas agredidas e externar seu repúdio contra os autores e cúmplices dessas violências. Este é um cenário que infelizmente constatamos também em outras regiões do país.
Conflitos em 2017
De acordo com levantamento do regional Araguaia-Tocantins da Comissão Pastoral da Terra (CPT), durante o ano de 2017, em todo o estado cerca de 550 famílias camponesas foram despejadas dos locais onde viviam por meio de decisões judiciais. Outras 829 famílias foram ameaçadas de despejos. Neste período, foram registrados 47 conflitos por terra envolvendo quase 2.500 famílias.
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