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Três anos após Brumadinho, desespero em Cachoeira do Choro: famílias passam sede por causa de água imprópria para consumo. Vale e Copasa são responsáveis

A sede e o afogamento são duas faces da mesma destruição gerada pela mineração e pelo agronegócio em territórios tradicionais. Na comunidade Cachoeira do Choro, zona rural de Curvelo, Minas Gerais, cerca de 800 famílias estão sem água para beber, cozinhar, irrigar quintais produtivos e dar de beber a animais.

Há exatos três anos, a Vale S.A. matou 272 pessoas, além de outras formas de vida, incluindo o rio Paraopeba, com a lama tóxica da barragem B1, da mina Córrego do Feijão, que se rompeu em Brumadinho por negligência e omissão da mineradora. O rio Paraopeba era a principal fonte para consumo, lazer, alimentação e renda das famílias de Cachoeira do Choro, mas hoje está impróprio para qualquer tipo de uso.

Segundo Eliana Marques, moradora da comunidade, com as chuvas torrenciais que afetam Minas Gerais desde o início do mês, casas foram inundadas e destruídas, e o poço artesiano, que era outra importante fonte de abastecimento de Cachoeira do Choro, ficou embaixo de dois metros d’água, e as bombas pararam de funcionar.

A Vale, que está obrigada a fornecer água para consumo humano, das plantas e dos animais dentro da comunidade desde que matou o rio Paraopeba, não tem cumprido o acordo firmado com a Defensoria Pública do Estado (DPE), segundo Eliana. “A Vale entra na comunidade e escolhe a dedo para quem ela vai dar água. Geralmente ela cede água para os ricos, para os poderosos do lugar, e os pobres ficam sem nada. Os pobres que tiveram o direito [à água] reconhecido, logo depois ela corta esse direito também. Ela não cumpre o que está acordado, ela não fornece água para todos”.

As violências da Vale contra a comunidade de Cachoeira do Choro é um dos 15 casos denunciados ao Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado.

Água suja

Eliana Marques informou que a Copasa, Companhia de Saneamento de Minas Gerais, está levando água para Cachoeira do Choro e colocando em caixas conectadas à rede de distribuição. A água, porém, está chegando suja nas caixas. “Isso quando ela vem, porque a gente está ficando três, quatro, cinco dias sem água. O pessoal está sem água pra beber, pra fazer comida”, relata a ribeirinha. Vídeos gravados pelos moradores de Cachoeira do Choro mostram um líquido escuro saindo das torneiras.

A Copasa chegou a enviar fardos de água mineral para a comunidade. A quantidade, porém, foi suficiente para apenas um dia, informou Eliana. A moradora está se mantendo com a água da chuva que conseguiu armazenar.

Áudios de moradores da comunidade enviados por Eliana Marques à Campanha Nacional em Defesa do Cerrado revelam relatos de sofrimento pela falta de água potável.

“Gente, alguém sabe me informar se vai ter água na Cachoeira do Choro hoje? Aqui em casa está sem água desde cedo. Eu já vi uns três caminhão pipa passando ali em cima, mas até agora a água não chegou”, disse um morador.
“[água] Da torneira, da Copasa, está tendo lá em casa, mas da Vale, que a gente precisa pra beber, até hoje não recebi ainda não. Diz que ia vim, ia vim, e até hoje não chegou”, respondeu uma moradora a Eliana.
“Cedo amanheceu sem água. Água nenhuma, nenhuma, nenhuma. A água que chega está durando, mal, mal, duas horas de prazo. A água tá dando um monte de cisco no fundo do copo. Eu pra dar pra menina [bebê de colo] eu tenho que coar, eu tô pegando a fralda dela e coando a água, porque não tem recurso”, relatou uma mãe de cinco filhos.
“Estamos com falta d’água, está muito difícil, a dificuldade está dura aqui, viu? Tá precisando de umas água mineral pra distribuir pro povo, tem muita gente que tá com falta de água”, desabafa outra pessoa.

Pó preto

Em fins de 2021, a Copasa abriu um segundo poço artesiano na comunidade. Ele fica bem próximo do rio Paraopeba, mas ainda não está sendo utilizado, pois a qualidade da água está sendo avaliada pela Copasa, segundo Eliana. O poço que estava em uso – e que agora está submerso –, também fica próximo ao Paraopeba, e foi construído antes do crime da Vale em Brumadinho. A água extraída do poço antes do rompimento da barragem era de excelente qualidade, garante Eliana. Mas com a contaminação do Paraopeba pela lama tóxica da mineradora, tudo mudou.

“Desde março de 2019 começamos a receber uma água escura com um pó preto brilhante em abundância, de péssima qualidade. Quando a água está muito escura e a gente reclama, a Copasa corta a água e a gente chega a ficar até cinco dias sem água na comunidade”, relata.

Morte de animais

Além das pessoas, os animais também estão sofrendo com a falta de água potável e com a água contaminada do Paraopeba. Eliana conta que nos últimos dias perdeu mais de uma centena de animais de criação, entre galinhas e patos. Antes da morte do rio causada pela mineradora, a ribeirinha extraía alimento e renda do seu quintal produtivo, onde criava galinhas, patos, porcos e cabras. Depois de 25 de janeiro de 2019, precisou contar com o fornecimento de água da Vale por meio de um caminhão pipa para manter os plantios e criações.

“A Vale servia uma água lá em casa para a plantação e os animais, mas vinha em pouca quantidade, não estava dando. Eu pedi que aumentassem essa água através de um ofício feito com levantamento feito pela assessoria técnica [independente, o Instituto Guaicuy, que assessora a comunidade]. A Vale disse que tinha que ir lá pra ver. A Vale foi, por meio do Rodrigo, que é o Relações com a Comunidade (RC) da empresa, com outras pessoas, olharam meu quintal e foram embora. Depois, me negaram o acesso [a mais água] e ainda cortaram o acesso dessa água [que já tinha]. Eu vou te mostrar o que aconteceu no meu quintal”, disse Eliana Marques, enviando, em seguida, fotos dos animais mortos. Ela não sabe dizer se morreram de sede, contaminados pela água tóxica do Paraopeba, ou pelos dois motivos.

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Enquanto concedia essa entrevista, a ribeirinha contabilizou os animais que ainda estavam vivos: três patas e seis frangos médios; a galinha que havia sobrado viva com três pintinhos estava acabando de morrer. “As últimas criações que eu tinha, galinha e pato, acabou tudo.  A Vale nega o [auxílio-]emergencial da minha família porque eu fui uma das lideranças que se levantou e lutou contra ela, ela faz isso, ela castiga a gente dessa forma.”


 Vídeo: Comunidade Cachoeira do Choro / Fotos: Eliana Marques

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