Secretário de Esportes de Brejo, Maranhão, lidera ataque contra famílias de comunidade tradicional em Buriti
O ano de 2022 mal começou e os crimes contra povos e comunidades tradicionais no Maranhão voltaram a ocupar os noticiários locais. No dia 09/01 circularam pelas redes sociais imagens em vídeo de uma criança em desespero, aos prantos, após ter sido ameaçada por jagunços armados que invadiram a comunidade tradicional Taboquinha, na zona rural de Buriti, leste do Estado. Os homens destruíram um poço cacimbão e deram tiros contra as famílias no local.
O procedimento investigativo (Termo Circunstanciado de Ocorrência - TCO) instaurado pela Polícia Civil de Buriti confirmou que o autor dos ataques é João Sidney Riedel. Conhecido como "Sid Gaúcho" - ou Cid Gaúcho, Riedel é secretário de Esportes, Juventude e Lazer do município de Brejo, Maranhão. “Esse cidadão anda por lá intimidando as pessoas. [Os trabalhadores] estão lá ainda com muito medo, não sabem o que fazer. Vão retomar a construção do poço e estão temendo, nessa reconstrução, sofrer algum tipo de retaliação”, afirmou o advogado da Fetaema (Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão) Diogo Cabral, que acompanha a comunidade. O advogado informou que representantes da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Maranhão, incluindo o secretário Jefferson Portela, estiveram no território e ouviram os trabalhadores no dia seguinte ao ocorrido, 10/01.
Segundo o delegado Josemar Lima da Rocha, responsável pelo caso, já foram ouvidas as vítimas e o investigado. "Agora vamos verificar se há mais alguma pendência. Sanadas as pendências, encaminharemos o procedimento ao Poder Judiciário local para as devidas providências", informou Rocha.
Aquele não foi o primeiro ataque à comunidade, afirmou o advogado das famílias de Taboquinha. No dia 21 de dezembro de 2021, homens armados invadiram o território e destruíram o poço cacimbão que foi construído pelos trabalhadores para melhorar a qualidade de vida no local. Eles registraram a ocorrência como ameaça e dano. Dias depois, reconstruíram o poço, o mesmo que foi destruído, sob liderança de Riedel, no último dia 09 de janeiro.
A Campanha entrou em contato com a prefeitura de Brejo e o secretário de Esportes, mas ainda não teve retorno.
Terras devolutas
Taboquinha é uma comunidade tradicional formada por seis famílias há mais de 60 anos. Composta por terras devolutas do Estado do Maranhão, a comunidade é margeada pela rodovia MA 034, que liga o povoado Palestina à sede municipal de Buriti. “São terras devolutas do Estado do Maranhão que foram sendo invadidas [por sojicultores]. É preciso que a polícia civil investigue esses fatos imediatamente, tendo em vista que em menos de 20 dias é a segunda ocorrência (...). Um outro elemento é garantir segurança para que essas comunidades possam viver de forma sossegada. Isso é fundamental nesse momento, tendo em vista a presença de milícia rural atuando no estado do Maranhão livremente. O terceiro passo é garantir a regularização fundiária dessas terras. São comunidades tradicionais, Buriti é um dos municípios que mais tem conflitos no Maranhão hoje”, afirmou Diogo Cabral em entrevista concedida em 10/01 à Rádio Mirante AM.
Escalada da barbárie
No dia 15 de janeiro, mais violência e barbárie, desta vez, contra adolescentes. Um jovem de 14 anos e outro de 16 sofreram um atentado à bala na comunidade Bacuri, em São Benedito do Rio Preto, leste do Maranhão. Os adolescentes sobreviveram.
“Há quase duas décadas, esta comunidade, que é um assentamento, vive um violento conflito agrário que resultou em ameaças de morte, matança de animais dos moradores, devastação ambiental. Foram vários os registros de ocorrência, representações junto ao Ministério Público Estadual e Federal, INCRA, etc, realizados pelos moradores, sem resposta adequada do estado. Um dos ofícios encaminhando tem o seguinte teor: ‘a situação é tão grave que em plena Sexta-Feira Santa, vários animais do Sr. Francisco das Chagas Nascimento foram abatidos. Além disso, os autores da matança desfilavam pela comunidade portando todo tipo de armamento’”, narrou o advogado Diogo Cabral em sua conta no Instagram.
Segundo o advogado, o processo de regularização das terras da comunidade Bacuri tramita no INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) há décadas, mas sem qualquer resolução. "É fundamental a retirada dos invasores do assentamento, visto que estes têm promovido vendas de terras e patrocinado violência bruta contra os camponeses. De 2020 para cá, os invasores mataram todos os animais dos camponeses, cerca de 120, dentre porcos e bodes. Agora estão atirando contra as pessoas!"
No topo da violência e do desmatamento
Entre os números recentes da violência contra povos e comunidades tradicionais no Maranhão, o advogado destacou que entre 2020 e 2022, foram assassinados cinco quilombolas apenas na comunidade Cedro, na zona rural do município de Arari. Em 09/01/2020 tombaram Celino Fernandes e Wanderson de Jesus Rodrigues Fernandes, pai e filho, respectivamente. Em 02/07/2021 foi assassinado Antonio Gonçalo Diniz. Três meses depois, em 29/10/2021, João de Deus Moreira Rodrigues foi assassinado. O mais recente foi José Francisco Lopes Rodrigues, que morreu no último dia 8 de janeiro, cinco dias depois de ter sofrido um atentado à bala. Sua neta de apenas, 10 anos, também foi ferida no atentado, mas sobreviveu. O atentado contra José Francisco e sua neta foi a primeira notícia de 2022 dando conta da barbárie que atravessa o Maranhão sob os atuais governos federal e estadual.
Desde o ano passado, o Maranhão – e seu governo – ocupam a infeliz liderança de violência no campo. Segundo dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra), 9 pessoas foram assassinadas no Estado em 2021, um terço do total apurado no país naquele período. Segundo a Fetaema, ao longo de 30 anos, 140 pessoas foram assassinadas no campo maranhense, e apenas 5% dos crimes foram elucidados.
O Estado – e seu governo – também são líderes em devastação do Cerrado, e essas duas lideranças estão conectadas, segundo análise dos geógrafos e professores Luiz Eduardo Neves dos Santos e Saulo Barros da Costa. “[...] Centenas de milhares de famílias do campo foram ou expropriadas de suas terras ou assassinadas por jagunços e pistoleiros, principalmente ao longo dos últimos cinquenta anos, momento da promulgação da Lei Estadual nº 2.979 de 1969, no governo de José Sarney, que sob o discurso ideológico da modernização, “determinava a venda de terras devolutas do interior do Estado a grupos de fora do Maranhão sem licitação e a preços módicos”. Destaque para a atual proposta de mudança na Lei de Terras, com esforço concentrado do Instituto de Terras do Maranhão (ITERMA) – órgão do Governo do Estado – que prevê desapropriação de territórios quilombolas no Artigo 30 e legalização de compra de terras por estrangeiros, no Artigo 44, ou seja, configurando mais um duro golpe aos moradores ancestrais dos territórios maranhenses”, escreveram Santos e Costa no artigo “Máquina de guerra e a barbárie maranhense”.
Fotos: Diogo Cabral