Reafirmação de um modo de vida tradicional por meio de mutirão da quebra do coco babaçu
Atividade aconteceu entre os dias 4 e 5 de outubro, na Comunidade do Cajueiro, zona rural de São Luís (MA)
“Nossa história enquanto povo tradicional foi construída pelas mãos calejadas de mulheres fortes, com a beleza e a firmeza de uma luta travada por mulheres. Se antes nossa atividade era desvalorizada, hoje estampamos o orgulho de preservar nosso sustento e tradições, mesmo diante das dificuldades que sempre nos foram impostas”. As palavras foram ditas pela quebradeira de coco babaçu e liderança na Baixada Maranhense, Rosenilde Gregória, ao grupo de mulheres da Comunidade do Cajueiro, zona rural de São Luís (MA).
Realizado entre os dias 4 e 5 de outubro, o encontro entre as quebradeiras de coco babaçu do Cajueiro, as mulheres da Baixada Maranhense e da região do Mearim do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) reafirmou ainda mais suas identidades como quebradeiras de coco babaçu. Foram dois dias de “Rodas de Conversa” sobre temáticas variadas: fortalecimento político, conservação ambiental, contextos social, todos voltados aos direitos produtivos e reprodutivos daquelas mulheres. As conversas aconteceram durante a quebra de 20 quilos de coco que renderão 10 litros de azeite, além da produção do bolo, biscoito e mingau da farinha do mesocarpo do babaçu.
Para a quebradeira de coco babaçu, Maria Antonia de Sousa, moradora antiga do Cajueiro, o respeito uniu homens e mulheres, pertencentes a um território. “Por meio da troca de saberes, vivenciamos nossa ancestralidade e reafirmamos a nossa, identidade como quebradeiras de coco babaçu, quilombolas, pescadores, povos e comunidades tradicionais”, disse. “O grupo firmou laços ainda mais profundos pela certeza de que os que os vincula é o território, pois sem ele, não existem”, complementou a coordenadora do MIQCB, Francisca Maria Pereira, da regional do Mearim.
Sobre o Cajueiro
Na zona rural de São Luís (MA) fica a comunidade do Cajueiro, com cerca de 500 famílias. O território é marcado por constantes conflitos: a área está cercada por fábricas de cimento, uma usina termoelétrica, duas fábricas de fertilizantes, usinas e refinarias da Vale, cuja estrada de ferro passa ao lado. Desde 2014, os moradores foram surpreendidos com a disputa fundiária para a construção de um porto, com investimento do capital chinês.
O projeto do grupo WTorre é da ordem de R$ 1,5 bilhões a ser executado em parceria com o conglomerado China Communications Construction Company (CCCC). A estatal chinesa fatura mais de 60 bilhões de dólares anuais em nível global. No Brasil, atua com infraestrutura de transportes ligada aos portos de Santos, Paranaguá e Açu, nos estados de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro. Tem interesse em obras nas regiões Norte, Sul e Nordeste, muitas para escoamento da produção agropecuária. Mundo afora, tem negócios em países africanos, da América Central, Ásia e Oriente Médio. De acordo com informações publicadas pela revista Exame, em 24 de julho deste ano, a CCCC avalia 26 projetos no Brasil, somando investimentos de 102 bilhões de reais nos próximos dez anos. Os setores prioritários são portos, ferrovias, desenvolvimento urbano e indústria.
Cajueiro resiste
O processo é complexo e tendencioso à parte mais forte economicamente, a empresa portuária TUP PORTO SÃO LUÍS S.A (PORTO SÃO LUÍS), atual denominação de WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda. Muito embora haja uma decisão judicial de 2014 que garante a posse aos moradores da comunidade do Cajueiro, foi concedida em julho desse ano uma liminar de reintegração de posse assinada pelo juiz Marcelo Oka.
Outro absurdo é sobre o Decreto de Desapropriação da Terra. Por força da Constituição Estadual quem tem a competência privativa para assinar o documento é o próprio Governador do Estado. No entanto, o Decreto foi assinado pelo secretário de Indústria e Comércio, Simplício Araújo. O que torna o documento sem valor legal. Além disso, há ação judicial movida pela Promotoria Agrária do Maranhão que afirma que o título de propriedade da empresa provém de falsificação documental (grilagem de terra).
A Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP), em um contexto desigual de mediação durante a reunião da COESV (Comissão de Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade) pressionou a comunidade a aceitar a proposta da empresa que ofertava cestas básicas para a retirada dos moradores. De acordo com representantes da comunidade, a Secretaria Estadual de Direitos Humanos encaminhou, unilateralmente, a reintegração de posse para ser cumprida pela Polícia Militar sem oportunizar efetivas condições de mediação com a empresa e o próprio Estado do Maranhão, que é parte interessada no projeto portuário.
No Maranhão, todo processo de reintegração de posse passa pela Comissão de Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (COESEV) para que sejam garantidos os direitos às pessoas envolvidas no litígio. Participam da COESEV: Defensoria Pública do Estado do Maranhão, Comissão Pastoral da Terra, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos entre outras secretarias do Estado. Os representantes da sociedade civil já estão tomando as providenciais contra a SEDIHPOP.
No último dia 12 de agosto de 2019, vinte e uma casas de moradores da comunidade do Cajueiro foram derrubadas sem a devida comunicação formal do cumprimento da decisão judicial pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão, na qual deveria constar, com antecedência mínima de 48h, a data e hora exatas em que seriam realizadas as desocupações.
Texto: Yndara Vasquez/MIQCB | Fotos: Yndara Vasques e Perla Berwanger