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Moradores estão sob ameaça de despejo no Cajueiro em São Luís (MA)

Nesta quarta-feira (19), dois moradores mais antigos da comunidade do Cajueiro, que está situada na zona rural de São Luís (MA), receberam uma ordem de desapropriação de posse da terra onde vivem e estão sem local para abrigo. Seu João Germano da Silva, conhecido como Joca, 86 anos, e seu Pedro Sírio da Silva, 88 anos, moram no território há mais de 40 anos, de onde tiraram o sustendo das suas famílias durante décadas.

A decisão é resultado de um processo tendencioso com vários vícios processuais e tem total apoio do Governo do Estado do Maranhão ao empreendimento do conglomerado China Communications Construction Company (CCCC) que, em parceria com o grupo WTorre, atenderá ao agronegócio. Seu Joca é resistente e segue firme na luta ao enfatizar que “somente sairei do Cajueiro carregado”. Alertando que se sair dali, nos seus 86 anos, sua vida perderá o sentido.

Na última segunda-feira (17), os moradores do Cajueiro participaram de uma Audiência de Conciliação, em São Luís, onde denunciaram a situação vulnerável na qual estão submetidos. Neta do Seu Joca e nascida na comunidade, Natália Amorim da Silva diz que tudo estava armado. “A proposta era pra que aceitássemos o acordo para abrir mão de nosso território. Haveria a realização da perícia para reconhecimento da área, mas mesmo sem saber o resultado seríamos obrigados a nos retirar”.

Foi dado um prazo de até terça-feira (18), às 17h, para que os moradores participantes da audiência dessem uma resposta sobre a proposta do juiz Marcelo Oka. Mas às 13h45, do mesmo dia, o juiz encaminhou o pedido de reintegração de posse dessas cinco famílias no Cajueiro para a Secretaria de Segurança Pública. Das cinco famílias, três aceitaram o acordo, mas o seu Joca e seu Pedro resistiram.

O juiz estaria se baseando em um decreto assinado pelo secretário de Indústria e Comércio, Simplício Araújo, que desapropriou a área onde residem as famílias – desapropriação que está sendo questionada pelo Ministério Púbico (MPMA), em outro processo, pois as famílias ameaçadas possuem títulos dessa terra, entregues pelo próprio Governo do Maranhão.

Para Adriana da Silva Costa, de 30 anos, e neta de seu Sírio a palavra é resistência. “Meu avô diz que não saíra e vamos apoiá-lo”. Famílias estão em vigília na comunidade e aguardam por apoio para que não aconteçam novos despejos.

Entenda o caso

Na zona rural de São Luís (MA) fica a comunidade do Cajueiro, com cerca de 500 famílias. O território é marcado por constantes conflitos: a área está cercada por fábricas de cimento, uma usina termoelétrica, duas fábricas de fertilizantes, usinas e refinarias da Vale, cuja estrada de ferro passa ao lado. Desde 2014, os moradores foram surpreendidos com a disputa fundiária para a construção de um porto, com investimento do capital chinês.

O projeto do grupo WTorre é da ordem de R$ 1,5 bilhões a ser executado em parceria com o conglomerado China Communications Construction Company (CCCC).  A estatal chinesa fatura mais de 60 bilhões de dólares anuais em nível global. No Brasil, atua com infraestrutura de transportes ligada aos portos de Santos, Paranaguá e Açu, nos estados de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro. Tem interesse em obras nas regiões Norte, Sul e Nordeste, muitas para escoamento da produção agropecuária. Mundo afora, tem negócios em países africanos, da América Central, Ásia e Oriente Médio. De acordo com informações publicadas pela revista Exame, em 24 de julho deste ano, a CCCC avalia 26 projetos no Brasil, somando investimentos de 102 bilhões de reais nos próximos dez anos. Os setores prioritários são portos, ferrovias, desenvolvimento urbano e indústria.

O processo é complexo e tendencioso à parte mais forte economicamente, a empresa portuária TUP Porto São Luis S.A., atual denominação de WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda. Muito embora haja uma decisão judicial de 2014 que garante a posse aos moradores da comunidade do Cajueiro, foi concedida em julho desse ano uma liminar de reintegração de posse assinada pelo juiz Marcelo Oka.

Outro absurdo é sobre o Decreto de Desapropriação da Terra. Por força da Constituição Estadual quem tem a competência privativa para assinar o documento é o próprio Governador do Estado. No entanto, o Decreto foi assinado pelo secretário de Indústria e Comércio, Simplício Araújo. O que torna o documento sem valor legal. Além disso, há ação judicial movida pela Promotoria Agrária do Maranhão que afirma que o título de propriedade da empresa provém de falsificação documental (grilagem de terra).

A Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP), em um contexto desigual de mediação durante a reunião da COESV (Comissão de Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade) pressionou a comunidade a aceitar a proposta da empresa que ofertava cestas básicas para a retirada dos moradores. De acordo com representantes da comunidade, a Secretaria Estadual de Direitos Humanos encaminhou, unilateralmente, a reintegração de posse para ser cumprida pela Polícia Militar sem oportunizar efetivas condições de mediação com a empresa e o próprio Estado do Maranhão, que é parte interessada no projeto portuário.

No Maranhão, todo processo de reintegração de posse passa pela Comissão de Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (COESEV) para que sejam garantidos os direitos às pessoas envolvidas no litígio. Participam da COESEV: Defensoria Pública do Estado do Maranhão, Comissão Pastoral da Terra, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos entre outras secretarias do Estado. Os representantes da sociedade civil já estão tomando as providenciais contra a SEDIHPOP.

No último dia 12 de agosto de 2019, vinte e uma casas de moradores da comunidade do Cajueiro foram derrubadas sem a devida comunicação formal do cumprimento da decisão judicial pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão, na qual deveria constar, com antecedência mínima de 48h, a data e hora exatas em que seriam realizadas as desocupações.