SEMINÁRIO AGRO É FOGO FORTALECE DIÁLOGO COM ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS PARA ENFRENTAMENTO AOS INCÊNDIOS NA AMAZÔNIA, CERRADO E PANTANAL
Evento virtual contou com média de público de 100 pessoas, com representações dos EUA, Europa, Reino Unido e América do Sul. Dossiê Agro é Fogo foi apresentado aos participantes
por Andressa Zumpano e Elvis Marques
Entre os dias 27 e 28 de abril ocorreu o Seminário Internacional Agro é Fogo, com o tema “Diálogos para enfrentar o ciclo de grilagem, desmatamento e incêndios nas áreas de expansão do agronegócio”, uma iniciativa da Articulação Agro é Fogo.
A Articulação reúne cerca de 30 movimentos, organizações e pastorais sociais que atuam há décadas na defesa da Amazônia, Cerrado e Pantanal e seus povos e comunidades. Surgiu enquanto articulação como reação aos incêndios florestais que assolaram o Brasil nos últimos dois anos.
O seminário contou com a presença de diversos/as integrantes de organizações sociais da América do Sul, EUA, Europa e Reino Unido. A partir de uma perspectiva de incidência internacional, a articulação busca a solidariedade entre as organizações participantes, como também apresentar ao público casos emblemáticos de comunidades que sofreram impactos socioambientais como a Terra Indígena Baía dos Guató, no Mato Grosso, e Quilombo Barra da Aroeira, no Tocantins.
Nos últimos dois anos, 2019 e 2020, Amazônia, Cerrado e Pantanal foram impactados fortemente por incêndios criminosos, que estão diretamente conectados com a grilagem de terras e com a do desmatamento. Impactos estes que não atingem somente o Brasil, podendo ser considerados como grandes desafios globais.
Isolete Wichinieski, coordenadora nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e representante da Articulação Agro é Fogo, destaca que é preciso olharmos para as “ações do Estado brasileiro de desmonte das políticas e legislações agrárias e agrícolas, paralisação da reforma agrária e uma regularização fundiária que vem para legitimar o desmatamento e a grilagem de terras”.
Wichinieski aponta que a Articulação busca também, além de denunciar as ações do agronegócio, o fortalecimento da produção agroecológica e recuperação de nascentes.
Chamas
Experiências de resistência e de enfrentamento autônomo aos incêndios também foram expostos no Seminário. No ano de 2020, os impactos do fogo no Pantanal atingiram cerca de 23 mil km², segundo IBGE.
Cláudia de Pinho, da Rede Pantaneira, enfatiza que os incêndios florestais são crimes que trazem prejuízos enormes para o povo pantaneiro. “Há indícios de que o fogo iniciou em algumas fazendas e se propagou. A catástrofe no Pantanal tem nome e sobrenome, se chama agronegócio, que foi o grande estopim para que o fogo se espalhasse. Como consequência, houve muita perda de roças e de áreas de cultivo, além da contaminação das águas dos rios por cinzas. O baixo Pantanal é a região mais afetada”, afirma.
Mesmo com o avanço dos incêndios nos últimos anos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) efetuou um grande corte orçamentário na pasta do Meio Ambiente. Para o ano atual, o orçamento teve uma redução de 31%, o que afeta diretamente órgãos ambientais de fiscalização e de combate a incêndios, como o Ibama e o ICMBio.
Reflexo disso é que diversos territórios tradicionais e indígenas têm organizado brigadas autônomas para conter o avanço do fogo sob suas comunidades e reduzir os impactos socioambientais que já trazem perdas gigantescas.
O indígena Avanilson Karajá, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), conta que a organização tem adotado um plano emergencial de combate a incêndios. “Quando encerra o período de queimadas, o Ibama recolhe todo material das brigadas indígenas de incêndio, então quando se iniciam as queimadas o apoio demora e as terras indígenas já estão todas devastadas. Pensando nisso, a COIAB criou esse plano para apoiar financeiramente as brigadas”, explica.
Os incêndios florestais potencializaram a devastação desenfreada na área de transição do Cerrado e Amazônia, a qual é considerada arco do desmatamento, sendo também a região com maior incidência de conflitos no campo, conforme expôs Valéria Santos, articuladora da CPT e da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.
Santos explica ainda que “a fronteira agrícola do Matopiba foi a mais desmatada nos últimos 20 anos [dados do INPE]. Os municípios que compõem essa fronteira são os com maior índice de desmatamento e incêndio”. E é justamente essa região, acrescenta Valéria, responsável por alimentar aquíferos e bacias hidrográficas. “Rios como o Paraguai, que se alimenta do Cerrado, vem sofrendo diversas secas que ocasionam o agravamento desses incêndios criminosos, como o que aconteceu no ano passado no Pantanal”.
Carlos Walter Porto-Gonçalves, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), analisa que o modelo agrário do agronegócio, que sustenta as grandes commodities, necessitam de grandes extensões de terras para poderem viabilizar a tecnologia que é empregada. “O conjunto de maquinários envolvidos necessitam de pelo menos 2 mil ha para poderem ser viáveis economicamente, ou seja, o modelo agrário de concentração de grandes porções de terras é sustentado pela necessidade de abastecimento de países da Europa e da China”.
Nesse sentido, o professor propõe que a questão fundiária e a reforma agrária devem aparecer como algo central junto às reivindicações e denúncias internacionais. “Reforma agrária e demarcação de territórios inviabilizam o modelo internacional e commodities agrícolas”, afirma.
Publicação
No evento internacional, Diana Aguiar, que divide a coordenação editorial do Dossiê Agro é Fogo: grilagem, desmatamento e incêndios na Amazônia, Cerrado e Pantanal com Valéria Santos, apresentou a plataforma digital que abriga análises e denúncias sobre as múltiplas dimensões da devastação ambiental e dos conflitos por terra que se dão no rastro do uso criminoso do fogo pela cadeia do agronegócio.
Aguiar aproveitou para agradecer, mais uma vez, as diversas organizações e pessoas que, num esforço conjunto, colocaram esse trabalho no ar no dia 14 de abril. “Foi e é um grande desafio”, assinala.
Já Diana Múrcia, advogada e presidenta do Tribunal sobre Incêndios Florestais e Agronegócio aponta que em todos os casos fica evidente uma relação entre os incêndios e o avanço da fronteira agrícola. “A queimada dos territórios funciona como mecanismo propulsor da histórica expulsão de povos e territórios”.
Zuleima Vergel, da CLOC/Via Campesina, observa que é “incrível como o mesmo padrão [de devastação e conflitos] se repete em vários territórios. É muito importante buscarmos articular internacionalmente, especialmente no Cone Sul”.
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