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Qual a relação entre o Ecocídio do Cerrado e o racismo institucional, fundiário e ambiental que sofrem seus povos?

Em setembro de 2021 o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) foi lançado no Brasil para julgar o crime de ecocídio do Cerrado e genocídio cultural de seus povos na Sessão Especial em Defesa dos Territórios do Cerrado. Essas acusações sistêmicas se fundamentam nos 15 casos que foram apresentados publicamente junto à denúncia e que, ao decorrer dos próximos meses, serão debatidos e analisados por seu júri multidisciplinar nas Audiências Temáticas do TPP no Brasil.

A partir da acusação central do TPP podemos tecer uma série de conexões com as mazelas e desigualdades socioeconômicas que afetam os povos indígenas e comunidades tradicionais do Cerrado. Uma delas, sem dúvidas, é a relação direta que o processo de Ecocídio da região possui com o racismo institucional, fundiário e ambiental. A Peça de Acusação do Tribunal dos Povos do Cerrado joga luzes para essa conexão. Entenda, abaixo, um pouco desta discussão, a partir da leitura do próprio documento de acusação, construído e apresentado pela Campanha em Defesa do Cerrado:


“Neste sentido e finalmente, propomos mais um importante aprofundamento na leitura da ocorrência do crime de ecocídio a partir do caso do Cerrado como expressão do que pode ser encontrado em outras realidades: a dimensão da colonialidade e do racismo estrutural – expresso especialmente no racismo institucional, fundiário e ambiental – subjacente na própria operação do processo de ecocídio.

O processo de ecocídio do Cerrado só tem sido possível em razão da negação do outro. Esta negação guia o projeto colonial histórico e persistente, os sucessivos modos de desenvolvimento hegemônico e as formas de operar das relações de poder. Destacamos o papel do sistema de justiça do Brasil, que continua a identificar o sujeito de direito como homem, branco, proprietário; e, de forma correlata, o poder executivo e legislativo que consistentemente e em governos de diversos espectros políticos têm associado a monoculturação ou homogeneização da vida com a ideia de “desenvolvimento”. Nesse esquema, os povos do Cerrado – caracterizados por sua diversidade racial e sociocultural, por seus conhecimentos (saber-fazer) tradicionais associados à biodiversidade e por seus modos de vida entrelaçados com o Cerrado – tornam-se não-sujeitos, invisibilizados, tratados como objetos apropriáveis ou obstáculos ao “desenvolvimento”.

A construção da ideia hegemônica dos cerrados como “vazio demográfico” busca legitimar esta apropriação monocultural do Cerrado por este tipo de sujeito (branco-homem-proprietário) em um ajuste colonial da ideia de “desenvolvimento”. Limpar a terra das matas e dos povos que vivem nas matas torna-se um imperativo. Atualiza-se, assim, uma das mais perversas práticas do colonialismo, a da “guerra justa”, contra quem quer que não se identifique com este sujeito de direitos e com o projeto hegemônico de “desenvolvimento”, o que denota que a colonialidade sobreviveu ao fim do colonialismo. Esses povos significados como “não ser” são, no processo, destituídos da titularidade de direitos, privados da garantia de posse de seus territórios e do direito de exercer seus modos de ser, fazer e criar.

Finalmente, ainda que não esteja positivado o crime de ecocídio-genocídio cultural tal como acusamos aqui, os direitos que por sua violação sistemática (no tempo e no espaço) geram esse crime sim estão reconhecidos e protegidos por diversos instrumentos legais nacionais e internacionais: o direito dos povos indígenas e comunidades quilombolas e tradicionais à autodeterminação e o direito desses povos e comunidades à posse e propriedade da terra/território.

A partir dessa leitura, nós, organizações e movimentos da sociedade civil que compõem a Campanha em Defesa do Cerrado, invocamos a competência do Tribunal Permanente dos Povos, nos termos do art.  12 do Estatuto, como ferramenta de acesso à justiça dos e para os povos do Cerrado, especialmente afetados por tais retrocessos socioambientais, para identificar e determinar as distintas responsabilidades dos agentes das violações denunciadas, de modo a preencher as lacunas institucionais nacionais e internacionais para conferir as medidas de justiça e reparação devidas."

Leia a Peça de Acusação na íntegra acessando: https://tribunaldocerrado.org.br/sessao-cerrado/


Audiência Temática das Águas do Cerrado

Entre os dias 30 de novembro e 01 de dezembro, das 8h30 às 12hs, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado realizará, de forma virtual, a Audiência Temática das Águas no âmbito do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado.

O foco da audiência serão as denúncias de apropriação privada das águas do Cerrado pelo agronegócio e sua contaminação pela mineração como processos provocadores de injustiça hídrica e racismo ambiental contra os povos desta savana. Em razão do seu caráter sistêmico no tempo e no espaço, as apropriações e contaminações contribuem para o ecocídio do Cerrado e para a ameaça de genocídio cultural dos povos que dele dependem para manter seus modos de vida.

A atividade será transmitida ao vivo pelo canal do YouTube da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.

Nos dois dias de audiência os membros do júri ouvirão os depoimentos e testemunhos de representantes e assessores/as dos casos em que essas denúncias estejam mais em evidência. O júri também ouvirá relatores e relatoras de acusação sobre a sistematização dessas denúncias. 

Dez dias após a Audiência Temática, no dia 10 de dezembro, será transmitida uma manifestação pública do júri com as primeiras reações em relação a esta fase do processo instrutório, que constituirá um insumo para a audiência final. O horário e o endereço virtual da transmissão será divulgado em breve.

 

Povos e comunidades