Campanha promove debate sobre conexões entre Cerrado e Amazônia durante o X Fórum Social Pan-Amazônico
A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado realizaram ontem, 30 de julho, durante o X Fospa - Fórum Social Pan-Amazônico, a roda de conversa "Ecocídio e sua relação com o genocídio dos povos: conexões entre Cerrado e Amazônia".
Com a participação de povos e comunidades tradicionais do Cerrado, membros de entidades, grupos acadêmicos e articulações, o debate realizado no prédio da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém (PA), aconteceu em torno das confluências entre os dois biomas mais afetados pela mineração e agronegócio, e as pontes que podem ser estabelecidas entre diferentes lutas por direitos socioambientais para fazer frente ao avanço do ecocídio do Cerrado em curso e o genocídio de seus povos.
"O ecocídio do Cerrado não é só a morte dos nossos povos, mas o que vai matar também a nossa ancestralidade. Se não tenho o meu território que é parte de mim, como vamos dizer que temos vida? A gente precisa estar vivo para cuidar do nosso território", pontuou a quilombola Emília Costa, do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom). Leandro Santos, quilombola da comunidade Cocalinho, em Parnarama, Maranhão, fez eco à fala de Emília ao dizer que seus bisavós estão, hoje, enterrados em uma área que foi tomada pela empresa Suzano Papel e Celulose para o plantio de eucalipto, o que tornou inviável o acesso da comunidade ao cemitério ancestral.
Durante a conversa foram apresentados dados, mapas e outras informações sobre o Cerrado, suas características e convergências com a Amazônia, e sobre os saberes dos povos que aprenderam a se envolver com a savana e nela encontrar sua identidade e sustento, sendo, ao mesmo tempo, fruto dela e seus mantenedores.
"Não se vive em um lugar sem saber se alimentar, sem fazer agricultura, sem caçar, pescar, sem entender os regimes das chuvas, sem fazer suas próprias moradias, ou seja, sem saber fazer arquitetura. Esse saber fazer que vai sendo construído, adaptado, é fruto de inovação e testes dos quais esses povos são herdeiros, são eles que detêm esse conhecimento associado à biodiversidade", explicou Diana Aguiar, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e colaboradora da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.
Sentença do júri do TPP
Valéria Santos, agente da Comissão Pastoral da Terrra (CPT) e membro da coordenação executiva da Campanha, trouxe para o debate o recém-divulgado veredito do júri do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado, que traz um resumo do documento apresentado ao vivo em 10 de julho em Goiânia (GO), no último dia da Audiência Final do TPP.
"A importância de fazer a discussão sobre o veredito e condenação do estado brasileiro pelo TPP passa por pensar nas conexões da Amazônia-Cerrado, já que as empresas multinacionais têm atuação em ambos biomas e em territórios que não têm fronteiras. Nesse sentido, é importante olhar para o veredito e para a condenação além dos biomas e fronteiras politicamente estabelecidas", ressaltou Valéria.
A advogada Joice Bonfim destacou a importância política do Tribunal. "O TPP tem uma força política muito grande que pode fazer com que a gente exija tanto mudanças específicas nos casos, quanto mudanças estruturais. Por exemplo, o Tribunal condenou a União Europeia (UE) por conta do acordo com o Mercosul e por conta do desmatamento importado que não considera o Cerrado. Esse veredito vai chegar à UE. O TPP condenou a China por um processo massivo de importação de comoditties sem considerar as dimensões estruturais de devastações que são provocadas. É preciso usar a força política da articulação e a força que o próprio tribunal tem cinquenta anos condenando violações dos estados e dando visibilidade internacional. É preciso construir processos de transformações locais e estruturais."
Marco Temporal
O vice-cacique Davi Krahô, da aldeia Takaywrá, no município de Lagoa da Confusão (TO) trouxe, por fim, um elemento central do debate, que é a discussão da tese do Marco Temporal em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF), que pretende retirar dos povos indígenas seu direito originário à terra e ao território. Para Davi, hoje os povos indígenas vivem um grande retrocesso em seus direitos porque o atual governo brasileiro não aceita a demarcação de suas terras. "O atual presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, segura os processos de demarcação de terras, influenciado pela bancada ruralista, que trava as demarcações. O marco temporal era para ter sido julgado em junho desse ano pelo STF, mas foi retirado de pauta. Enquanto não sai o julgamento, a Funai usa isso como desculpa para não dar andamento aos processos de demarcação. A gente precisa que o STF dê uma resposta logo, e que os ministros do STF sejam contra o marco temporal, porque nossos direitos não começaram em 1989, nosso direito é originário. Quando os europeus chegaram aqui a gente já vivia nesse território chamado Brasil", ressaltou Davi Krahô.
Foto: Campanha Nacional em Defesa do Cerrado