O que é a nova lei ambiental europeia que a senadora Kátia Abreu menciona em vídeo e por que é importante defendê-la?
A senadora e ex-ministra da Agricultura Kátia Abreu (PP), do Tocantins, publicou ontem (10/10) em sua conta no Twitter um vídeo de quase dois minutos e meio intitulado "Alerta ao agronegócio brasileiro!". No vídeo, a líder ruralista faz um "alerta grave" ao dizer que no dia 13 de setembro o Parlamento Europeu aprovou a primeira versão de sua nova lei ambiental que deverá entrar em vigor em 2024. A lei, diz a senadora, proíbe a importação de produtos do agro vindos de áreas com desmatamento, seja ele legal ou ilegal. Os principais alvos, segundo ela, seriam a soja e a carne bovina, principais produtos de exportação do Brasil.
A senadora diz que a decisão da União Europeia (UE) foi motivada pelos 13 mil km2 de desmatamento ilegal na Amazônia desde 2019, início do governo Bolsonaro. Ela afirma também que a imagem do Brasil na área ambiental se deteriorou progressivamente no exterior. "A nossa perda de credibilidade na comunidade internacional chegou ao limite. Somos considerados um país irresponsável no que diz respeito às mudanças climáticas. Hoje, este é o verdadeiro risco Brasil".
Abreu finaliza seu alerta ao agronegócio afirmando que se houver a redução das exportações de commodities, os empregos, preços e a balança comercial serão negativamente afetados, e apresenta, como solução para este problema vindouro, o voto em Lula para presidente. "Peço a você que leia o que está sendo escrito lá fora sobre o governo Bolsonaro e o Brasil. Votar no Lula não é uma ameaça às nossas fazendas e aos nossos negócios. Neste momento, só ele pode conseguir reverter essa situação caótica".
Kátia Abreu sendo Kátia Abreu
A declaração de Kátia Abreu surpreendeu - e confundiu - muita gente à esquerda do espectro político que reproduziu o vídeo sem se aprofundar sobre o conteúdo da fala da senadora e até mesmo celebrou seu apoio a Lula nestas eleições. O efeito da reprodução deste vídeo sem pesquisa nem reflexão acaba sendo o mesmo das fake news produzidas e disseminadas por bolsonaristas, a desinformação.
No vídeo, a senadora faz exatamente aquilo que se espera dela enquanto líder ruralista e representante do setor, que é a defesa do agronegócio e a crítica a pautas ambientais que possam frear os processos de violência e destruição capitaneados pelo agro.
Mas, para além disso, é preciso saber o que é esta nova lei ambiental europeia.
Regramento Europeu
De fato, o Parlamento Europeu votou no último dia 13 de setembro a proposta chamada de Regramento sobre a Importação de Produtos Livres de Desmatamento, ou simplesmente Regramento Europeu - que a senadora chama de lei ambiental. A proposta foi apresentada em novembro de 2021 pela Comissão Europeia, e pretende regular a exportação e entrada no mercado da União Europeia (UE) de determinados produtos básicos e produtos associados ao desmatamento e degradação florestal. Por 453 votos a favor, 57 contra e 123 abstenções, o Parlamento Europeu aprovou a proposta.
A União Europeia é atualmente responsável por 16% do desmatamento tropical ligado ao comércio internacional de produtos básicos como soja ou óleo de palma. Nesse sentido, aproximadamente 20% das exportações de soja e pelo menos 17% das exportações de carne bovina do Brasil para a UE podem estar ligadas ao desmatamento ilegal. A proposta tenta conter o efeito que o consumo de determinados produtos produz no desmatamento global e, para tanto, impõe requisitos à importação, exportação, produção e comercialização desses produtos na UE.
Um dos pontos positivos da aprovação do Regramento foi a inclusão da carne suína, ovina e caprina, aves, milho, borracha, carvão vegetal, couro e produtos de papel impresso em seu escopo. Outro destaque é a obrigatoriedade de que as instituições financeiras estejam sujeitas a requisitos adicionais para garantir que suas atividades não contribuam para o desmatamento. Também foi classificado como avanço pela articulação o reforço, no texto, da dimensão dos direitos humanos e direitos específicos dos povos indígenas, exigindo o cumprimento das normas internacionais dos direitos humanos, e não apenas das leis estatais sobre os direitos da terra.
No entanto, há ainda muitos desafios para o aperfeiçoamento do Regramento. Um deles é que o Parlamento Europeu entende que só devem ser protegidas do desmatamento áreas e regiões definidas como "floresta". Isso deixa de fora a proteção de outros ecossistemas naturais, como zonas úmidas, alagadas, pastagens ou savanas - estas últimas seriam o caso do Cerrado, que teria 74% de sua área desprotegida com o atual texto do Regramento. Também é um desafio o fato de que a proposta aprovada não preveja - por enquanto - um mecanismo de responsabilidade civil ou a possibilidade de reparação e compensação por parte das empresas.
Após a votação do dia 13 de setembro tiveram início as negociações do texto final entre a Comissão, Conselho e Parlamento europeu, e que não devem ser fáceis, "pois a posição do Conselho é muito conservadora e, de acordo com as atas confidenciais de julho às quais tivemos acesso, ele não parece estar disposto a melhorar sua posição", diz texto dos Ecologistas em Ação, articulação formada por mais de 300 grupos ecologistas ao redor da Espanha.
Carta ao Parlamento Europeu
Por saber da importância de combater o desmatamento importado - seja ele legal ou ilegal -, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado enviou uma carta ao Parlamento Europeu antes da votação de 13 de setembro ressaltando que a proposta em pauta tem sérias limitações que afetam diretamente o Cerrado e seus povos. Na carta, a Campanha lembrou ao Parlamento que durante o julgamento realizado pelo Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado em julho deste ano, a União Europeia (UE) foi uma condenadas pelo júri, pois suas compras massivas de produtos agrícolas, especialmente a soja, contribuem para promover o Ecocídio do Cerrado e o genocídio de seus povos.
Aqui você pode ler a carta completa em português, e aqui em inglês.
Foto em destaque: Thomas Bauer_CPT_ H3000