Racismo fundiário contribui para o genocídio dos povos negros e originários e para o ecocídio do Cerrado
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apresentados recentemente em reportagem do G1 mostram que a mão de obra no campo é negra, mas a propriedade é branca. “Em grandes propriedades, com área equivalente a cerca de 10 mil campos de futebol, 79,1% dos donos são brancos, enquanto apenas 17,4% são pardos e 1,6% são pretos, aponta o Censo Agropecuário 2017 do IBGE”.
Esta é a dimensão fundiária do racismo estrutural que está na gênese da invenção do Brasil a partir das invasões europeias. A abolição formal da escravidão em 1888, sem qualquer política de reparação, inclusão e bem-estar social, deixou milhões de mulheres e homens negros sem moradia – sem direito à terra – e sem os demais direitos que prescindem de um local digno de vida e segurança para se efetivarem. Os dados do IBGE apresentados na reportagem confirmam que esta violência original cometida pelos brancos de então segue se perpetuando nas vidas das pessoas negras hoje, agora.
O veredito do júri do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado também explicita esta dimensão estrutural do racismo, e como ele contribui para o genocídio dos povos negros e originários e para o ecocídio do Cerrado.
“O racismo tem efeitos visíveis no Cerrado, pois é um fator estrutural na organização da dominação sobre povos indígenas e povos e comunidades tradicionais. Sob sua racionalidade e normalidade, estão organizados as relações político-econômicas e o poder que progressivamente produzem e ampliam o processo de genocídio. (...) No Brasil, a regularização das terras tradicionalmente ocupadas que se baseiam em sistema de uso comum de recursos e na propriedade coletiva, reivindicada por povos e comunidades tradicionais tem dificuldades de efetivação, pois embora seja reconhecido na Constituição de 1988 (artigo 231 e artigo 68 das ADCT) essa modalidade de uso e apropriação e os agentes sociais que a organizam são vistos como obstáculos à apropriação individual de grandes domínios. A questão é que os sujeitos racializados foram e são classificados conforme atos e decisões arbitrárias, estão nomeados nas leis e no sistema jurídico - sem ou com direitos - via de regra usurpados: direito à vida, direito ao território, direito à autonomia, direito de resistência ao sistema colonial. No processo de racialização - histórico e político - observam-se as estruturas, ações, atos que produzem os dominantes e subalternizados”, diz trecho do item 4.4 do veredito, que fala sobre invisibilização, manifestações e efeitos do racismo.
Precisamente porque a terra é o nó fundamental utilizado para garantir as bases materiais do racismo fundiário, o veredito do TPP aponta que as instituições que poderiam atuar para combater esta violência terminam por aprofundá-la ao se posicionarem sempre em favor do suposto proprietário de terras – o homem branco. “Dessa maneira, são reiteradas as críticas, interpelações e denúncias feitas ao INCRA, FUNAI, órgãos estaduais de regularização fundiária e o sistema de justiça, pois estes atuam com manifesta omissão, inércia, parcialização de decisões, assim como pela paralisação das ações de reconhecimento, regularização, demarcação e titulação das terras tradicionalmente ocupadas.”
Acesse o veredito do júri do TPP do Cerrado e leia o item 4.4 na íntegra: “Racismo: invisibilização, manifestações e efeitos”.
Para saber mais sobre o termo racismo fundiário, de Tatiana Emilia Dias Gomes, professora da Universidade Federal da Bahia, acesse este link.