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Câmara dos Deputados realiza audiência para discutir o impacto dos agrotóxicos em povos e comunidades tradicionais do Cerrado

Aconteceu na manhã de ontem, 01/06, na Câmara dos Deputados, em Brasília, audiência pública sobre o impacto dos agrotóxicos em povos e comunidades tradicionais do Cerrado. A audiência foi requerida pelo deputado federal Nilto Tatto (PT/SP) para ouvir povos e comunidades tradicionais, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre  os resultados da pesquisa-ação "Vivendo em territórios contaminados: um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado", lançada dia 30/05.

Compondo a mesa estavam Leila Lemes, da Campanha em Defesa do Cerrado; Nonata Nepomuceno, do Território Quilombola Cocalinho, em Parnarama (MA); Fran Paula, coordenadora-executiva da Campanha Contra os Agrotóxicos, Aline Gurgel, da Fiocruz, e Robson Rodrigues, da Secretaria de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde. De forma virtual, participou Mariely Daniel, secretária de vigilância em saúde ambiental, também do Ministério da Saúde.

Em sua apresentação, a pesquisadora Aline Gurgel destacou alguns dados centrais do dossiê, como a contaminação das águas em todas as comunidades onde a pequisa foi realizada, nos estados da Bahia, Maranhão, Piauí, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Glifosato, 2,4-D e Atrazina foram os agrotóxicos mais identificados nas amostras. Em alguns casos, até 9 agrotóxicos diferentes foram encontrados em amostra retirada de fonte de água que as comunidades utilizam para beber, banhar, irrigar hortas e dar de beber a animais domésticos. "Qualquer dose diferente de zero nas amostras pode significar um dano, mas os valores são muito elevados, especialmente comparáveis com legislações mais protetivas", alertou Aline.

Casos do Tribunal do Cerrado

Leila Lemes, da Campanha em Defesa do Cerrado, lembrou que alguns dos dados apresentados no dossiê se referem a casos de comunidades apresentados ao Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa do Cerrado, que teve seu veredito apresentado pelo júri em julho de 2022. "Houve casos alarmantes de contaminação por agrotóxicos, e relatos do uso do veneno como arma química para atacar as comunidades, os povos do Cerrado", alertou Leila.

Nonata Raimunda Nepomuceno, do Território Quilombola Cocalinho, em Parnarama, Maranhão, reiterou a fala da representante da Campanha em Defesa do Cerrado, e contou que em sua comunidade - uma das ouvidas pelo TPP - o envenenamento tem sido constante, tanto por meio de tratores, como por meio de aviões. "As pessoas estão cheias de coceira, morrendo de câncer. Isso é alarmante para o nosso povo, a gente pede ajuda aos deputados. Beber água contaminada todo dia não é fácil, plantar na terra contaminada não é fácil. A gente precisa da ajuda de vocês pra sobreviver. Precisamos do nosso Cerrado vivo, e pra estar vivo, temos que proteger ele. Se existe Cerrado ainda, se existe água no cerrado, é porque tem povo lá que protege", afirmou Nonata.

 foto grupo audiencia agrotoxicos

Agricultura quimicamente dependente

Para Fran Paula, da secretaria-executiva da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, os casos apresentados no dossiê não são isolados, e têm se repetido em outras regiões ecológicas, além do Cerrado. "Esse modelo de desenvolvimento de agricultura quimicamente dependente tem sido estabelecido no estado brasileiro a custa do genocídio dos indígenas, quilomobolas, dos povos tradicionais. A contaminação acontece de forma intencional, para expulsar essas populações das comunidades e assim garantir o avanço da fronteira agrícola." 

Fran Paula ainda lembrou que há ingredientes ativos nos agrotóxicos que são banidos na Europa, mas são utilizados no Brasil. "Lutamos pelo banimento dos produtos já banidos. Essa é uma pauta que colocamos para o legislativo, pois há pesquisas e dados suficientes comprovando que esses produtos são altamente tóxicos para o ambiente e saúde das populações." 

fran paula audiencia agrotoxicos

GT Interministerial

Entre as propostas apresentadas ao deputado federal Nilto Tatto, é que a discussão sobre os agrotóxicos seja mais ampla, e atinja outros ministérios, além da Saúde. "É preciso criar um grupo de trabalho interministerial. Não é possível continuar conversando só com o Ministério da Saúde, tem que falar com Ibama, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Direitos Humanos e Igualdade Racial, porque é preciso falar do racismo ambiental. Não temos como falar em guerra dos agrotóxicos, pois de um lado temos a indústria química e o agronegócio produzindo mortes, e do outro, temos os povos e territórios do Cerrado produzindo vida. Então, o que temos, é um processo de Eco-Genocidio", alertou a secretária-executiva da Campanha Contra os Agrotóxicos.


 Fotos: Letícia de Maceno

Povos e comunidades, Sociobiodiversidade