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CAMPANHA EM DEFESA DO CERRADO LANÇADA NO 7º ENCONTRO DE AGROECOLOGIA DO MT

“Cerrado, berço das águas: Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”, esse é o tema da Campanha em Defesa do Cerrado, que é promovida por 42 organizações, pastorais, e movimentos sociais. A Campanha foi lançada em meio ao 7º Encontro Estadual de Agroecologia e Feira de Roças e Quintais, que aconteceu entre os dias 29 de novembro e 02 de dezembro, no Ginásio Aecim Tocantins, em Cuiabá, Mato Grosso. Também foi apresentada a publicação “Cadeia Industrial da Carne”, da Fase-Educação e Solidariedade.

(Texto e imagens: Assessoria de Comunicação do Encontro)*

Lancamento Campanha 400x400

Isolete Wichinieski, agente da Comissão Pastoral da Terra em Goiás (CPT-GO), e Cidinha Moura, da Fase Mato Grosso, apresentaram a Campanha aos cerca de 500 participantes do evento. Ambas organizações compõem a iniciativa.

A integrante da CPT explicou que a Campanha surge, principalmente, por conta da invisibilização do Cerrado e dos povos e comunidades que vivem nesse espaço territorial. Ela pontuou ainda os projetos que, hoje, ameaçam o que ainda resta do bioma, como o Plano de Desenvolvimento do Matopiba.

Segundo dados recentes, 52% da vegetação original do bioma já foi destruído. “A PEC que reconhece o Cerrado como Patrimônio Nacional está parada no Congresso Nacional desde 1995. Em 2010, foi acrescentada ao projeto a Caatinga. Mas precisamos lutar por essa aprovação, que ajudará a proteger esses biomas”, ressalta Isolete.

“Quando a gente fala em cadeia industrial da carne, nos vem o porquê desse nome. Para produzir a carne, a história começa pela soja. E aí a gente lembra de Cerrado, do Matopiba, da Amazônia, Pantanal”, disse, ao começar apresentar o livro, o pesquisador e um dos autores Sergio Schlesinger. “10% da soja produzida no Brasil está na bacia Norte Paraguai, inclusive na área de preservação ambiental das nascentes do Rio Paraguai. Dois dos maiores sojeiros do país têm fazendas ali dentro. Por isso, acho que quando estamos falando da cadeia da carne no Brasil, estamos falando principalmente do Cerrado”, ressalta o pesquisador.

Na entrevista abaixo, Isolete Wichinieski (de camiseta preta na foto acima) nos contou como a Campanha tem sido desenvolvida, as ações e os próximos passos. Confira:

Qual a importância dos povos e comunidades tradicionais para que o Cerrado continue existindo?

Isolete Wichinieski – Estudos atestam o conhecimento ecológico ancestral e também a lógica não estritamente mercantil que essas populações adotam na apropriação e no manejo desses ecossistemas. Para essas comunidades, o Cerrado é seu hábitat. Seu lar. Povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares comprometidos com a conservação do Cerrado têm um papel extremamente relevante na manutenção do Cerrado em pé.

Estes camponeses desenvolveram, ao longo de séculos, estratégias de sobrevivência e convivência com o Cerrado, pois seus modos de vida possuem relação orgânica com os ecossistemas. Destaca-se como atividades destes grupos o extrativismo, caça, pesca, agricultura de encosta e fundo de vale, solta de gado. Além da produção de alimentos saudáveis através da agroecologia. Todavia, essa região ecológica e as formas de vida tradicionais estão ameaçadas, pressionadas, e/ou encurraladas pelo avanço das monoculturas.

No Brasil, temos acompanhado vários estados com crises hídricas. Qual a relação da água com o Cerrado?

Isolete Wichinieski – A água está distribuída em rios, lagos, mares e em camadas subterrâneas do solo, como os lençóis freáticos e aquíferos, ou em geleiras. O ciclo da água na natureza é fundamental para a manutenção da vida no planeta Terra, visto que vai determinar a variação climática e interferir no nível dos reservatórios naturais e no regime de precipitação (chuvas).

No Cerrado estão localizados três grandes aquíferos: Guarani, Urucuia e Bambuí. Eles são responsáveis pelo abastecimento dos principais rios do país e de bacias hidrográficas do Brasil e América do Sul: Amazônica (4%), Araguaia/Tocantins (71%), Atlântico Norte/Nordeste (11%), São Francisco (94%), Atlântico Leste (7%), Paraná/Paraguai (71%). A exploração predatória do solo, das florestas e das águas está afetando diretamente a disponibilidade e a qualidade da água. A escassez hídrica aumenta os conflitos entre comunidades locais e empresas.

Em média, segundo pesquisadores, dez pequenos rios do Cerrado desaparecem a cada ano. Esses riozinhos são alimentadores dos maiores, que, por causa disso, também têm sua vazão reduzida. Assim, o rio que forma a bacia também tem seu volume diminuindo, já que não é abastecido de forma suficiente.

O Mato Grosso é considerado o estado do agronegócio. De que forma este setor impacta o bioma cerrado?

Isolete Wichinieski – Depende quem defende que o Mato Grosso é o estado do agronegócio. Ele é dos indígenas, dos quilombolas, dos retireiros, dos ribeirinhos, dos agricultores, do povo. A questão é que o modelo de produção baseado na monocultura, principalmente da soja, torna o estado dominado pelo agronegócio e traz todas as mazelas desse modelo perverso, afeta a natureza e as comunidades que são as verdadeiras guardiãs deste patrimônio.

O problema central é o caráter predatório deste modelo predominante, que ameaça a própria existência do bioma. Trata-se de modelo neocolonial de ocupação, que ao mesmo tempo é predador do patrimônio natural e da biodiversidade, espoliador das terras, culturas, saberes dos povos e populações tradicionais, concentrador da terra e de suas riquezas. Terra, água, e toda a natureza são vistos como mercadorias, não como direitos e bens coletivos. Além disso, o uso intensivo de agrotóxico provoca doenças e morte. No Mato Grosso, por exemplo, cada pessoa está exposta a 62 litros de agrotóxico por ano.

A grilagem das terras públicas revela apenas uma das dimensões do problema fundiário na região. A falta de demarcação das Terras Indígenas, o reconhecimento e titulação das comunidades tradicionais, e a reforma agrária desqualificada só aumenta a pressão sobre os povos do Cerrado. Como consequências, o aumento dos conflitos no campo.

Após um semestre de Campanha em Defesa do Cerrado, qual sua avaliação sobre esse período?

Isolete Wichinieski – Foi um período rico em vários sentidos. Muitos debates, troca de experiências entre comunidades, encontros. Antes mesmo do lançamento da Campanha, algumas atividades e articulações foram iniciadas. Ações de enfrentamento ao modelo do agronegócio, a luta pela terra e território das comunidades. No Tocantins foi criada a Frente em Defesa do Cerrado. E no Piauí surgiu a Articulação do Impactados pelo Matopiba. Já em Goiás, criou-se a Rede Grita Cerrado.

E a participação das entidades está sendo ampliada. Lançamos a Campanha com 36 organizações. Hoje já somos 42. No debate interno, temos discutido o avanço do Capital sobre o Cerrado. E neste momento de perda de direitos é importante somar forças. As organizações que compõem a Campanha também estão ampliando suas ações. E o mais importante é que essas ações estão sendo multiplicadas, independentemente da coordenação da Campanha.

O que você pode adiantar em relação aos próximos passos da Campanha?

Isolete Wichinieski – Temos ações definidas no âmbito da defesa do território do bioma Cerrado, mobilização pela aprovação da PEC 504/2010, ações de enfrentamento diante da implementação do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba e o debate sobre a Moratória do Cerrado. E ainda discutir, com governos e câmaras municipais, legislações e programas em defesa do bioma.

Em 2017 também vamos lançar a Campanha Internacional em Defesa do Cerrado e o fortalecimento da solidariedade com companheiros e companheiras de Moçambique, na África, impactados pelo projeto ProSavana, e articulação com organizações do Japão. Outra iniciativa importante é a pesquisa. Estamos organizando um grupo de pesquisadores do Cerrado.

*Andrés Pasquis / Gias

Elvis Marques / Comissão Pastoral da Terra – CPT

Gilka Resende / Fase

Welligton Douglas / Comissão Pastoral da Terra no Mato Grosso – CPT-MT

Povos e comunidades, Sociobiodiversidade, Soberania alimentar e agroecologia