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Carta das Comunidades e Povos do Cerrado Encontro dos Povos e 1ª Romaria Nacional do Cerrado

“Já chega de tanto sofrer, já chega de tanto esperar, a luta vai ser tão difícil, na lei ou na marra nós vamos ganhar…”

Nós, romeiros e romeiras e participantes do Encontro dos Povos do Cerrado e da 1ª Romaria Nacional do Cerrado, Balsas, MA, que teve como tema “Cerrado: os povos gritam por água e território livres” e lema: “Bendita és tu, ó Mãe Água, que nasces e corres no coração do Cerrado, alimentando a vida”, saudamos todo o povo deste imenso Brasil. Somos Indígenas, Geraizeiros, Quilombolas, Quebradeiras de Coco, Posseiros, Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto, Pescadores, Vazanteiros, Veredeiros, Retireiros do Araguaia, Acampados e Assentados da Reforma Agrária, Atingidos por Barragens, e Trabalhadores e Moradores Urbanos e queremos compartilhar com vocês a riqueza destes dias.

No Encontro dos Povos, com cerca de 600 participantes, em debates, trocas, cantos, danças e rezas, partilhamos nossa dores, lutas, resistências e rebeldias, nutridas na força das águas de nossos rios, na esperança de afastar o mal que quer nos calar, nos expulsar e nos assassinar como estão fazendo com tantas lutadoras e lutadores do povo. As mortes matadas de tantos companheiros – 63 camponeses em conflitos agrários só este ano no país até agora – marcam o atual recrudescimento assustador da violência no campo e nas cidades, mas não nos intimidam. Elas são também denúncias trágicas de um projeto desumano e ecocida. Choramos nossos mortos, mas os temos como sementes vivas de uma nova terra justa e igualitária, que nos encorajam a seguir em frente, até “colher frutos maduros”. Daí cantamos a rejeição aos projetos de morte:

“aê meu povo, vamos prestar atenção…vem aí o MATOPIBA destruindo o Maranhão…”

Denunciamos o Estado capitalista como nosso inimigo, porque submisso às corporações empresariais-financeiras, ao agronegócio, às mineradoras e, desta forma, conivente e promotor de injustiças e violências no campo e nas periferias urbanas – os pobres, as mulheres, os negros, os índios e os jovens como vítimas preferenciais. Esta relação promíscua está criando as condições para o sacrifício total da natureza, do que ainda resta do nosso Cerrado e dos nossos povos. É o caso do projeto MATOPIBA, de produção de grãos para exportação, nos Cerrados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Dizemos com toda força: Não ao MATOPIBA!

Denunciamos e repudiamos a política agrária e agrícola do Estado brasileiro voltada para implantação desses grandes empreendimentos. E os cortes e reduções nas políticas públicas de saúde, educação, habitação e segurança pública. Não abrimos mão de nossos direitos e os queremos de volta. Respeitamos o Estado se respeita nossos direitos, o combatemos se não os respeita, mas visamos sempre a superação deste Estado, por natureza, classista e excludente, golpista quando convém, ainda que na aparência “democrático”.

“Ecoa noite e dia, é ensurdecedor, ai, mas que agonia, o canto do trabalhador
Esse canto que devia ser um canto de alegria, soa apenas como um soluçar de dor.”

Com força de Deus – o de Jesus, os Encantados e os Orixás – fortalecemos nossas consciências, identidades e sentimentos de pertença e formamos nossos famílias e comunidades a partir da nossa prática cotidiana e de luta permanente. Para expulsar nossos inimigos, retomar nossas terras e territórios, com seus solos, matas e águas, tradições, cultos e culturas. Desacreditamos que Governos irão resolver nossos problemas, se eles os causam.

Estamos costurando um tecido social novo, a juntar os povos e comunidades, articulados em redes e teias, para além da condição de vítimas indefesas e dependentes, submetidas à exploração econômica e dominação política. Priorizamos indígenas, negros, mulheres e jovens entre todos os que sofremos com o agravamento das condições sociais impostas pelas medidas tomadas nos Três Poderes da República contra os pobres, em favor da minoria rica, daqui e de fora, dilapidando o patrimônio nacional. E porque, mesmo ameaçados e violentados, nos oferecem, com seu modo de viver e lutar, alternativas de Bem Viver e cuidar da Casa Comum.

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Na alegre certeza aqui reafirmadas, anunciamos que um outro mundo é possível e urgente e os estamos construindo a partir de nossos territórios livres e autônomos. Não nos enganam mais; não queremos esse desenvolvimento do agronegócio, das mineradoras, das empresas de energia, mas o envolvimento: com a natureza, com os irmãos e companheiros, com as tradições culturais dos povos, com o testemunho dos nossos mártires, com as futuras gerações e com o sagrado. Não queremos os agrotóxicos e transgênicos, mas a agroecologia, com a mata em pé – o buriti, o pequi, o cajuí, o murici, a mangaba, o combaru, o jatobá –, alimento e medicina, meio das águas acumuladas nos aquíferos, correntes nas veredas, riachos e rios, os animais em convívio, toda a biodiversidade da vida garantida. Juntos, auto organizados e articulados, a partir de nossas comunidades, em nossos movimentos, iremos plantando a nova semente da libertação.

“Esta é a nossa bandeira, é por amor a esta Pátria Brasil que a gente segue em fileira”.

Na Romaria, com mais de 5 mil pessoas em caminhada, percorremos ruas e rodovias, gritando nossas denúncias e sonhos, cantando ao Deus da Vida, que segue conosco. E conclamamos a todas e todos de boa vontade e espírito cidadão, a nos acompanhar. Continuarem firmes na luta incessante, na esperança que não morre jamais.

Balsas, MA, 29 de setembro de 2017.

Fotos: Mídia Ninja

Mulheres, Juventude, Povos e comunidades, Sociobiodiversidade