Carta da Juventude reunida na 1ª Romaria Nacional do Cerrado, em Balsas (MA)
Jovens de nove estados brasileiros presentes em Balsas, no Maranhão, para o Encontro dos Povos e 1ª Romaria Nacional do Cerrado se reuniram na última sexta-feira, 29, com o objetivo de partilhar seus desafios e conquistas, frustrações e sonhos. Confira reportagem e Carta da Juventude.
Juventude se articula na defesa do Cerrado e contra o Matopiba
De uma sala do Colégio Pio X, situado no Centro do município de Balsas, no Maranhão, escapava uma suave e alegre movimentação na tarde de sexta-feira (29). O fechamento do terceiro dia do Encontro dos Povos e Comunidades do Cerrado e o início da 1ª Romaria Nacional do Cerrado foram marcados pelo ‘Encontro da Juventude: Jovens articulados na Defesa do Cerrado’. Ao todo, dezenas de mulheres e homens, camponesas e camponeses, indígenas e quilombolas, cheios de esperança e expectativas no olhar, cuja parceria e dedicação já ultrapassa as fronteiras dos nove estados que representavam. Enquanto entoavam a canção ‘Coração Livre’, uma tela no fundo da sala, impregnada por mãos coloridas e assinada por vários nomes, confirmava a força desse tipo de articulação: Juventude ocupando os espaços e transformando as realidades.
“Eu vejo que a juventude tem muito amor, carrega a esperança viva no seu cantar, conhece caminhos novos, não tem segredos, anseia pela justiça e deseja a paz […]” – Canção ‘Coração Livre’, Pe Jorge Trevisol
Ainda que oriunda de diferentes estados, Maranhão, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Rondônia ou Tocantins, a juventude estava unida pelo fato de compartilharem o mesmo tipo de preocupações e anseios: todas e todos estavam lá para defender seu lar, o Cerrado – Berço das Águas do continente, e assim elaborar estratégias para garantir seu futuro e o das próximas gerações. Ao assumir essa responsabilidade, legado de anos de luta dos próprios pais, articularam-se contra um sistema social, político e economicamente injusto e perigoso, pautado pelo agro e o hidronegócio, sustentado por um governo golpista. “Olho como o Cerrado está sendo destruído e como nossa cultura vai se perdendo. Muitas vezes os jovens podem até querer lutar, mas ainda não sabem como se organizar. Por isso estou muito feliz de estar aqui com todos”, disse Daiane Pereira Nunes, de Mato Grosso.
Dentre os fios condutores de mobilização, destacaram-se experiências de conscientização nas comunidades e de preservação e recuperação ambiental. Jaime Lima Honório, do município de Santa Filomena, no Piauí, conta que a juventude se uniu e se organizou para criar o Projeto de Gestão Ambiental ‘Progea Cerrado: Conscientizando e Recuperando’. “Nosso Cerrado está sendo destruído então não tínhamos como não reagir. Por isso, começamos a cultivar mudas nativas para trabalhar com reflorestamento, mas também fazemos um trabalho de conscientização nas comunidades”, disse Jaime.
Por outro lado, Daniela Jorge João, Guarani Kaiowá do município de Douradinha, em Mato Grosso do Sul, explicou que a juventude também está trabalhando com recuperação de áreas degradadas, além de se mobilizar ao redor do tema da demarcação de Terras Indígenas. “Sem terra, sem Cerrado, não há vida. Por isso precisamos que todos os jovens se juntem e mantenham o contato até depois do encontro. A juventude representa o futuro e podemos conquistar grandes mudanças”, pontuou ela.
Enquanto na roda de conversa surgiam mais vivências, ideias e propostas, ficava claro que a juventude afirmava sua identidade como ator imprescindível no espaços de debate, luta e tomada de decisões. Determinaram pontos cruciais, como a luta pela estadia da juventude na terra com acesso a saúde, infraestrutura e empregos de qualidade, uma educação do campo e para o campo, além de políticas públicas adequadas às realidades do Cerrado. Denunciaram também os crimes provocados pela presença e avanço do agronegócio, suas monoculturas e venenos, assim como o hidronegócio, com suas hidrelétricas e portos, cujo ápice pode ser o falso Projeto de Desenvolvimento do Matopiba.
Clara e resoluta em suas ideias e intenções, a juventude decidiu que, muito além de complementar a Carta das Comunidades e Povos do Cerrado do Encontro dos Povos e 1ª Romaria Nacional do Cerrado, elaboraria uma Carta própria à juventude. Foi assim que nasceu a Carta da Juventude reunida na 1ª Romaria Nacional do Cerrado.
Carta da Juventude reunida na 1ª Romaria Nacional do Cerrado, em Balsas (MA)
“Estamos pelas praças, e somos milhões, nos campos e
favelas somos multidões (…), procuramos o caminho.
Ninguém vai ser feliz se andar sozinho”
O Cerrado da cidade de Balsas, no Maranhão, acolheu na tarde de sexta-feira (29) a energia inquieta e inspiradora de dezenas de jovens indígenas, quilombolas, camponeses e urbanos durante a abertura da 1ª Romaria Nacional do Cerrado. A roda de conversa sucedeu os dois dias de Encontro dos Povos e Comunidades do Cerrado, realizados no Centro de Formação Nossa Senhora de Guadalupe.
Na sede de ter sua voz ecoada aos quatro cantos, a juventude vinda dos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Minas Gerais, Bahia, Piauí e do Maranhão se reuniu para um momento de partilha de seus desafios, de suas conquistas, de seus dilemas, de suas frustrações e de seus sonhos.
Encantou a quantidade relatada de ricas experiências encabeçadas pelos próprios jovens: da conscientização ambiental e recuperação de nascentes à organização interna da juventude em assembleia para solucionar problemas da comunidade; da participação efetiva em debates, encontros e congressos à conquista da criação de uma área de preservação ambiental em uma região então cobiçada pelo agronegócio.
São muitos os exemplos da capacidade de organização da juventude nas diversas comunidades representadas. “Nós sabemos que nossos pais estão envelhecendo, então é a nossa hora de preservar todas as conquistas já alcançadas por eles”, relatou uma jovem indígena.
Em espontânea sintonia, meninas e meninos relataram a vontade de permanecer em seus territórios, de viver do que a terra e a água proporcionam, de acumular ensinamentos tradicionais das pessoas mais velhas e de lutar contra o governo Temer – e toda aliança política que o apoia – para assim evitar mais retrocessos acerca dos direitos já conquistados historicamente.
Na alegria de conhecer novas realidades e de poder trocar saberes e vivências, a juventude do Cerrado renova suas esperanças e continua mais fortalecida no caminho de volta às suas comunidades. Por isso, os jovens e as jovens afirmam veementemente que:
– Diante de tudo isso, é necessário resgatarmos nossa identidade de juventude da terra, das águas e do meio urbano. Não aceitaremos a ofensiva de ter que sair de nossas realidades para se adequar às inovações tecnológicas, ou ter acesso a emprego e renda ou ainda a educação de qualidade. Por isso, denunciamos a forte influência da mídia frente à expulsão das juventudes de suas realidades, incentivando ao consumismo desenfreado e compulsório, e utilizando a imagem dos povos negativamente, colocando-os como atrasados e preguiçosos;
– Desejamos fortalecer as experiências das juventudes do Cerrado no âmbito de produção, geração de renda, reflorestamento, troca de sementes crioulas, recuperação de nascentes e áreas degradadas;
– Deve-se garantir que as organizações, movimentos sociais, pastorais, comunidades e povos no momento da construção e efetivação de seus projetos atendam às demandas levantadas pelas juventudes considerando os diferentes espaços e costumes em que estamos inseridos e que isso não se torne um tema transversal;
– Faz-se necessário garantir que todas/os jovens da terra e das águas tenham acesso a uma educação libertadora e contextualizada de acordo com suas realidades – campo, indígenas, quilombolas entre outras identidades. Pois entendemos que este acesso só se efetivará a partir do momento em que o sistema educacional respeite as realidades, além do fortalecimento de programas como PRONERA, PROCAMPO, PRONATEC e a retomada de programas como PROJOVEM CAMPO, tornando-os e os fortalecendo como políticas públicas.
– Denunciamos os projetos que promovem o sucateamento da educação em relação à reforma do ensino médio, PEC 55 que congela investimentos destinados à educação dificultando o acesso ao direito a educação, Projeto Escola Sem Partido, a entrega do ensino técnico e superior ao sistema ‘S’ de ensino e instituições privadas, e a crescente onda de fechamento de escolas do campo;
– Reafirmamos nosso compromisso em defesa do Cerrado ”Berço das Águas” e com os seres que o habitam, estar em sintonia com os povos e seus saberes e sabores, a mãe terra, mãe água, fauna e flora. Por fim, permanecemos ainda vigilantes e em luta contra os projetos do sistema capitalista como o MATOPIBA, mineração, agro e hidronegócios, que são a morte do Cerrado e de seus povos.
“É esta a nossa hora, e o tempo é pra nós. Que chegue em todo o canto a nossa voz!”
Balsas, Maranhão, 29 de setembro de 2017
Texto: Coletivo de Comunicadores do Cerrado
Foto: Mídia Ninja