No Piauí, povos do Cerrado gritam por territórios livres
Os impactos do agronegócio nas comunidades tradicionais no Cerrado piauiense são enormes. As comunidades sofrem com a precariedade e escassez da água, a impossibilidade de trabalhar na própria terra, são impedidos, muitas vezes, de ir e vir pelas estradas que cortam as grandes lavouras e, inclusive, sofrem pressão psicológica e ameaças de morte
Uma Audiência Pública proposta pelo GT Cerrado da 4ª Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (MPF) ocorreu na última quinta-feira, dia 29 de novembro, no auditório do Instituto Federal do Piauí (IFPI), no município de Corrente (PI).
Na Audiência, o procurador da República, Humberto Junior, falou sobre a visita realizada às comunidades no dia anterior, 28, e contou o quanto foi importante ter visto e ouvido pessoalmente das famílias os relatos de como estão vivendo, sob ameaças e sem dignidade. Foram visitadas as comunidades de Sete Lagoas e Melancias, nos municípios de Santa Filomena e Gilbués, respectivamente, comunidades vizinhas também participaram.
As famílias que esperavam o MPF apresentaram relatos sobre diversas problemáticas, porém deram ênfase à negligência da Justiça em atender as demandas oriundas das comunidades. “Temos aqui nove Boletins de Ocorrência denunciando as ameaças, em datas diferentes. Nunca vieram aqui nem saber de que se tratava. Bastou a Dama [é o nome de uma fazenda] fazer um boletim contra nós que a polícia veio bater aqui e ainda ameaçou a gente”, relatou Mark Isan, secretário do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Santa Filomena.
A presença do Ministério Público na comunidade fortaleceu a resistência das famílias, já que isso era algo impensado antes por elas. “Eu nem sabia que existia MPF em Corrente. Eu pensava que só tinha MPF em Brasília. Nunca vi o MPF por aqui na nossa comunidade. É a primeira vez que isso acontece” desabafou Zé Branco, de 65 anos, da comunidade Baixão Fechado.
No dia seguinte, após as visitas, a Audiência Pública formalizou as denúncias apresentadas pelas comunidades, e novos depoimentos puderam ser feitos pelos trabalhadores e trabalhadoras que estavam presentes. O auditório do IFPI ficou repleto por representantes de organizações sociais do Piauí e Bahia, estudantes, professores, representante do governo do Piauí, da Vara Agrária de Bom Jesus (PI), do Ministério Público Estadual (MPE) e MPF, além de associações e sindicatos.
No início das falas na Audiência, o representante da FIAN Internacional, Flávio Valente, leu a síntese do relatório construído pela Caravana Internacional, evento de pesquisa dos impactos causado às comunidades do Cerrado piauiense pelo agronegócio, realizado em setembro de 2017. Os principais pontos do relatório foram a não regularização das terras, a contaminação das águas pelo uso de agrotóxico nas lavouras, a precarização da educação das crianças e da saúde das famílias, ainda mais a desvalorização das mulheres, que são guardiãs do bem viver e a violência sofrida por todos os moradores das comunidades. O relatório final da Caravana Internacional será lançado neste mês de dezembro.
Representantes das instituições presentes também deram suas contribuições e reforçaram as falas dos trabalhadores e trabalhadoras, além de exporem pontos de vista, dados e experiências. Em seguida foi aberta a fala para a plenária, que não hesitou em continuar as denúncias. Relatos de trabalhadores da Bahia são semelhantes aos relatos dos trabalhadores do Piauí. O estado acelerou o processo de auto reconhecimento das comunidades tradicionais devendo essa auto avaliação passar por um representante do governo para dar o aval ao reconhecimento.
“As comunidades de fundo e fecho de pasto da Bahia têm até 2018 para se auto reconhecer como comunidades tradicionais e reivindicar os seus territórios. Territórios esses tomados pelo agronegócio”, disse Marco Antônio, Associação Correntina Ambiental, do município de Correntina (BA). Essa relação encontrada entre os impactos causados pelos projetos agropecuários às comunidades em outros estados do Cerrado reafirma a ideia de insustentabilidade do agronegócio e que é um empreendimento que fere a dignidade e pessoas em todo o país.
Ao final da Audiência foram definidos encaminhamentos práticos e imediatos. O MPF deve intervir nas questões da violência, das ameaças, milícias e intimidações e a problemática da precariedade escolar na região, denúncias realizadas durante visitas às comunidades e reforçadas na Audiência. Além disso, a proibição efetiva da pulverização aérea juntamente com uma fiscalização sobre os tipos de agrotóxicos utilizados na região.
Todos saíram como responsáveis para que haja uma troca de conhecimentos em que a comunidades conheça as instituições e suas funções e o MPF com a responsabilidade de se aproximar mais das comunidades.
As comunidades precisarão buscar caminhos mais propositivos, conhecer as variáveis possíveis das modalidades de regularização das terras. A comunidade precisa conhecer e entender quais alternativas seria melhor adequada para cada uma delas e propor essas alternativas ao Ministério Público. Por outro lado, o MPF se disponibilizou para toda e quaisquer demanda oriunda dos povos presentes.
Que na vivência com as comunidades possam discutir a melhor forma de regularização de cada comunidade e encaminhar, por exemplo, ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), um requerimento de constituição de reservas, Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável. Alternativas estas deverão ser formuladas com a parceria da Comissão Pastoral da Terra (CPT), organização que acompanha diretamente essas famílias.
Texto: Teresinha Menezes – CPT Piauí