Skip to main content

Piauí: MPF expede recomendação ao Banco Mundial e organizações denunciam violência

Ações foram tomadas após caravana com pesquisadores internacionais e organizações percorrerem o sul do Piauí para verificar denúncias de violências contra comunidades, mas a situação continua grave

Desde o ano passado, as comunidades tradicionais dos municípios de Baixa Grande do Ribeiro, Santa Filomena, Gilbués e Bom Jesus, região Sul do Piauí, vivem sob fortes ameaças e diversos tipos de violência. Grupos armados têm ameaçado lideranças e moradores/as de comunidades em luta contra megaempreendimentos do agronegócio na região. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Piauí recebeu a denúncia de mais uma ameaça de morte em uma comunidade, no dia 12 de fevereiro. Na ocasião, um capanga destruiu a cerca de uma das casas da comunidade e fez novas ameaças.

37203312491 bb3948dea3 z

Morador do sul do Piauí mostra qualidade da água, consequência da poluição causada por grandes projetos na região (Foto Rosilene Miliotti/FASE)

Por conta do acirramento da violência, entidades que compõem a Articulação dos Povos Impactados pelo Matopiba e a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, apoiadas por movimentos e organizações nacionais e internacionais, divulgaram uma nota pública para denunciar a situação vivida pelas comunidades do Cerrado no Piauí, presentes na região de implementação do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba (PDA MATOPIBA).

“A expansão do agronegócio no Cerrado do Piauí é caracterizada por investimentos financeiros de Fundos de Pensão estrangeiros, como o TIAA-Cref (dos Estados Unidos), o que tem propiciado grande especulação imobiliária por terras griladas por empresários e fazendeiros. Mas são nesses pedaços de chão, como na Comunidade Salto, que homens e mulheres vivem há anos, e utilizam dos “baixões” e das Chapadas para plantar e criar seus animais. Espaços de vida que foram sendo tomados à força pelos “projeteiros”, como são denominados os grileiros pelas comunidades.” destaca um trecho da nota.

Em setembro do ano passado, durante dez dias, 34 pesquisadores e ativistas de sete nacionalidades visitaram comunidades do sul do Piauí – Sete Lagoas, Melancias, Brejo das Meninas, Santa Fé, Santa Filomena e Baixão Fechado – impactadas pelo projeto de desenvolvimento Matopiba (abreviação dos estados Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) que tem expulsado comunidades tradicionais em nome do desenvolvimento. Em breve será lançado o relatório com todas as informações apuradas pelo grupo.

RosileneMiliotti FASE Reuniao em Santa Fé 1024x611

Reunião da Caravana Matopiba na comunidade Santa Fé. (Foto: Rosilene Miliotii/FASE)

caravana ainda verificou os impactos dos agrotóxicos na região e as áreas de investimento estrangeiro. As comunidades relatam que intimidações, restrição de acesso e uso de terras e até da água, além da contaminação de rios e nascentes na região estão entre os impactos da expansão do agronegócio na região. A missão da caravana teve continuidade com o Seminário Internacional “Fundos de Pensões, Mercados Financeiros e Especulação do Território” realizado dia 15 de fevereiro, no Centro de Pós-Graduação da Universidade de Nova York (Graduate Center, CUNY), nos Estados Unidos da América. A iniciativa integra uma campanha internacional com foco no papel do fundo de pensão TIAA-Cref. Durante o evento foi lançada a publicação: “Imobiliárias agrícolas transnacionais e a especulação com terras na região do MATOPIBA”.

Após essa iniciativa, algumas ações começaram a ser tomadas para atender as demandas das comunidades. Em dezembro, o Ministério Público Federal, por meio do Grupo de Trabalho Cerrado, expediu uma recomendação ao Instituto de Terras do Piauí (Interpi) e ao Banco Mundial para que suspendam a aplicação da lei nº 6.709/2015 (lei de regularização fundiária do Estado do Piauí), em relação às áreas ocupadas por povos e comunidades tradicionais. Isso porque a lei deveria dispor sobre titulação coletiva, que contempla as comunidades tradicionais. O Banco Mundial foi incluído na recomendação por financiar parte dos recursos para a aplicação da lei.

De acordo com as organizações, a lei de regularização fundiária agrava o problema por desconsiderar o uso coletivo da terra, modo como as comunidades usam os territórios, e privilegia o título individual e a regularização em primeiro momento das terras invadidas pelos fazendeiros e empresas.

36533768933 7dbdaa78b2 z

Caravana internacional visita comunidades no sul do Piauí (Foto: Rosilene Miliotti/FASE)

O MPF solicita ainda que sejam realizados estudos antropológicos prévios de identificação, delimitação e avaliação da forma de ocupação das terras, de modo a garantir, efetivamente, os direitos das comunidades e que sejam realizadas consulta livre e informada aos povos e comunidades tradicionais diretamente afetados pela lei de regularização fundiária.

Em março será instalado o Núcleo de Regularização Fundiária do Estado do Piauí. Entre as atribuições do núcleo, está a realização de vistorias e perícias em locais de conflitos fundiários.

Carta das comunidades à FAO
As comunidades tradicionais dos municípios de Santa Filomena e Gilbués, no sul do Piauí, enviaram à Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) uma carta expondo a situação de conflito em que vivem e solicitando uma mediação do órgão. As comunidades pedem a criação de uma Mesa de Diálogo, em caráter de urgência, com o objetivo de avaliar se o processo de regularização de terras na região. A FAO foi acionada porque o governo do Piauí conta com assistência técnica do órgão. Além disso, os conflitos têm impactado diretamente na soberania alimentar das famílias, que tiveram seus modos de vida afetados.

“Nós, posseiros de comunidades tradicionais do Cerrado estamos sendo diretamente afetados/as pela expansão acelerada das monoculturas e desmatamento e suas consequências, estamos preocupados com o processo de regularização da terra em curso, que está sendo realizado pela Vara Agrária do Estado do Piauí e pelo governo do estado através do Instituto de Terras do Piauí na região do sul do estado especificamente nos cerrados (no contexto de um projeto financiado pelo Banco Mundial e) com o apoio técnico da FAO”, diz um trecho da carta.

Sobre a Caravana
A Caravana conta com o apoio de diversas organizações: Cloc – La Via Campesina, Via Campesina Brasil, Grain, ActionAid USA, Friends of the Earth International, WhyHunger, InterPares, Development and Peace, FIAN brasil, FIAN Suécia, FIAN Alemanha, FIAN Holanda, Solidaridad Suecia – América Latina, Grassroots International, National Family Farm Coalition, Family Farm Defenders, Student/Farmworker Alliance, Maryknoll Office for Global Concerns, Presbyterian Hunger Program, SumOfUs, Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, Comissão Pastoral da Terra, FASE, FioCruz, HEKS/EPER, ActionAid Brasil, Cáritas Regional do Piauí, Federação dos Agricultores Familiares (FAF), Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura (Fetag-PI), Escola de Formação Paulo de Tarso (EFPT – PI), Vara e Procuradoria Agrária – PI, Progeia (Santa Filomena), Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Filomena, Paróquia de Santa Filomena, Instituto Comradio do Brasil e Obra Kolping do Piauí.

Até o fechamento desta matéria o Iterpi, a FAO e o Banco Mundial não retornaram à solicitação de entrevistas.

Texto: Bianca Pyl e colaboração de Rosilene Miliotti – Coletivo de Comunicadores da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado

Povos e comunidades, Águas, Conflitos