“Estamos diante de uma política de extermínio indígena no Brasil”, denuncia assessor jurídico da Apib na ONU
Essa foi a primeira incidência das organizações indígenas e indigenistas na 46ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas
Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), denunciou a situação dos povos indígenas no Brasil, durante a pandemia da covid-19, na primeira participação das organizações indígenas e indigenistas na 46ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, nesta segunda-feira (1).O novo coronavírus chegou aos territórios indígenas logo no início da pandemia. Vidas indígenas têm sido perdidas desde então, sejam elas de lideranças, anciões e anciãs, crianças. Por sua vez, o governo federal tem agido de maneira tardia e ineficiente.
Para completar, as motivações a invasões de terras indígenas oferecidas pela chegada de Jair Bolsonaro à Presidência, aumentaram a presença de madeireiros, garimpeiros e grileiros no interior dos territórios. Com tais presenças, nesse período pandêmico, as aldeias ganharam um risco adicional.
''No Brasil, temos informações de 114 grupos indígenas isolados e recentemente contatados que estão em perigo''
Conforme levantamento da Apib, até o dia 1 de março morreram 975 indígenas vítimas da covid-19. Nesta mesma data, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) contabiliza 43.685 casos confirmados, mas sem o registro de infectados entre os indígenas em contexto urbano.
De forma ainda mais grave, o risco de genocídio é levado pelo vírus aos povos livres (em situação de isolamento voluntário). “No Brasil, temos informações de 114 grupos indígenas isolados e recentemente contatados que estão em perigo”, alertou o representante da Apib durante seu pronunciamento ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Em um ano de pandemia, o vírus já afetou quase 50 mil indígenas de 162 povos, sendo que quase mil indígenas perderam a batalha para a covid-19. “Vivemos um momento muito sério em nosso país. O atual governo brasileiro implementou uma política indigenista extremamente prejudicial aos povos indígenas”, aponta Eloy.
As violações aos direitos dos povos indígenas cresceram nesse período de pandemia diante da negativa do governo brasileiro em cumprir com o seu papel. Para tanto, a Apib foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) exigir como medida judicial aquilo que Bolsonaro se nega a fazer por obrigação constitucional.
''Vivemos um momento muito sério em nosso país. O atual governo brasileiro implementou uma política indigenista extremamente prejudicial aos povos indígenas''
Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Foto: Vinicius Loures/Agência Câmara
Funai tenta passar a boiada
Além de não adotar medidas para barrar o avanço do vírus junto aos territórios, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem implementado Resoluções e Instruções Normativas que afrontam o Estado Democrático de Direito, avalia o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
A exemplo da Instrução Normativa 09, de abril de 2020, que concede a certificação de imóveis rurais em terras indígenas não homologadas, as resoluções 04, de 22 de janeiro de 2021, que estabelece novos critérios para a “heteroidentificação” de indígenas no Brasil, e a 01/2021, que autoriza a “parceria” entre indígenas e não indígenas para a exploração econômica dos territórios.
“Essa segunda onda do coronavírus vai atingir diretamente os povos indígenas porque o governo não fez o que deveria ter feito, nem mesmo a partir de decisão do STF, ou seja, organizar barreiras de proteção, barreiras de contenção, tirar os invasores dos territórios indígenas e proteger esses territórios”, alerta Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, secretário-executivo do Cimi.
“Pedimos ajuda para deter o genocídio indígena no Brasil”
Para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, o representante da Apib denunciou a política de extermínio indígena no Brasil e fez um pedido à Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet: “ajuda para deter o genocídio indígena no Brasil”.
Além da participação da Apib, o Cimi ainda terá outros quatro momentos de fala durante a 46ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que é a principal sessão do ano do organismo internacional com sede em Genebra, na Suíça.
A 46ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos teve início na segunda-feira (22) e se estende, por videoconferência, até o dia 23 de março.
Confira o discurso de Eloy Terena na íntegra:
Madame Bachelet,
Meu nome é Luiz Eloy, sou indígena do povo Terena. Sou advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Estou aqui para falar sobre a situação dos povos indígenas do Brasil neste contexto de pandemia Covid-19.
Vivemos um momento muito sério em nosso país. O atual governo brasileiro implementou uma política indigenista extremamente prejudicial aos povos indígenas.
Nossas comunidades estão sendo invadidas por madeireiros e garimpeiros. O vírus está matando nossos idosos. Na semana passada, perdemos o último indígena Juma. Essas são culturas e línguas que nunca iremos recuperar.
Aqui no Brasil, temos informações de 114 grupos indígenas isolados e de recente contato que estão em perigo.
O governo brasileiro e seus agentes devem ser responsabilizados.
Estamos diante de uma política de extermínio indígena no Brasil.
Portanto, pedimos sua ajuda para deter o genocídio indígena no Brasil.
Obrigada
Luiz Eloy
Advogado da APIB
Texto: Assessoria de Comunicação do CIMI - Conselho Indigenista Missionário