Povos Indígenas do Cerrado: Caminhando e Cultivando R-Existências Diversas
Por Marcela Vecchione, Antonio Verissimo da Conceição, Laudovina Aparecida Pereira e Roberto Antonio Liebgott
Os povos indígenas do Cerrado são herdeiros de saberes ancestrais e, ao longo de milênios, manejam e multiplicam a biodiversidade dessa região. Caminhantes de chapadas e rios, são guardiões de sementes, cuidadores de roças diversas, caçadores, pescadores e guerreiros. Combinam técnica e exímio manejo do mundo da natureza com que convivem e onde vivem, praticando o agroextrativismo de frutos nativos e plantas medicinais, bem como tantos elementos que conjugam na feitura de belos artesanatos. Muitos dos saberes que os diversos povos e comunidades tradicionais praticam na convivência com o Cerrado — como os artesanatos de capim dourado e palha de buriti, os múltiplos usos do coco-babaçu e a agricultura de cheia e vazante dos rios — foram desenvolvidos e adaptados ao longo do tempo por seus ancestrais indígenas. Os povos indígenas que habitam o Cerrado são resistentes e lutam para permanecer em seus territórios há séculos, tendo enfrentado reiterados deslocamentos forçados e tentativas de apagamento de suas existências, seja em aspectos materiais ou imateriais.
Em um tempo mais recente, da passagem do século XIX ao XX, e, de forma mais sistemática, desde os anos 1930 e 40, os povos indígenas das diversas paisagens do Cerrado vêm seguindo suas longas rotas de trânsito e constituição territorial de maneira a (sobre)viver diante da violenta expansão dos cercamentos das terras férteis e águas abundantes que habitavam e ajudaram a construir, como nas planícies e vales do Araguaia, ou nas imensas matas de galeria do alto rio Tocantins. Esse é também o caso das terras pretas no Mato Grosso, no Maranhão e em tantas outras áreas dessa imensa região, tida como o epicentro do agronegócio do Brasil, mas, que, na verdade, é o coração pulsante de tantas culturas indígenas. Muitas áreas, que se transformaram nos latifúndios do Centro-Sul do país e, hoje, do chamado Matopiba, se interpuseram e deslocaram tantos povos indígenas, aproveitando-se da biodiversidade e da riqueza da terra que eles ajudaram a fecundar.
Transformando-se muitas vezes em povos sem terra, deixando a terra sem povos, em razão das expulsões contínuas que sofreram e sofrem, os povos indígenas do Cerrado lutam para r-existir. Lutam para (re)produzir seus modos de vida frente às ameaças constantes de destruição das terras, das águas, das matas, dos bichos, de suas culturas e lugares sagrados. Lutam para assegurar, retomar e permanecer em seus territórios de vida e de direito, afirmando que existem e continuarão existindo como povos.
O texto acima foi extraído do artigo "Povos Indígenas do Cerrado: Caminhando e Cultivando R-Existências Diversas", que faz parte do Livro Saberes dos Povos do Cerrado e Biodiversidade, publicado pela Campanha em Defesa do Cerrado em 2020.
O próximo texto de nossa Semana Indígena tratará das territorialidades e dos modos de vida dos povos originários do Cerrado. Vai perder? Acompanhe e siga a Campanha em Defesa do Cerrado no facebook e no instagram.
Ilustração: Estúdio Massa