Sem Consulta às comunidades, Governo de Minas avança processo de licenciamento do Projeto Bloco 8
Ameaçadas pela instalação do Projeto Bloco 8, da empresa Sul Americana de Metais S.A. (SAM), comunidades do território tradicional de Vale das Cancelas, região no Norte de Minas Gerais, tiveram violado o direito à consulta livre, prévia, informada, assim como consta na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificado pelo Brasil desde 2004.
Isso porque a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Governo de Minas Gerais realizará nos dias 29 e 30 de março, duas audiências públicas, em Grão Mogol e Fruta de Leite, para apresentar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima), no âmbito do processo de licenciamento ambiental do Projeto Bloco 8, conforme publicado no Diário Oficial de Minas Gerais do dia 5 de março.
A apresentação do estudo de EIA/RIMA por meio da audiência pública representa o último passo para o início da instalação e funcionamento do empreendimento.
“A gente sabe que a audiência publica é só um procedimento formal e que quando ela acontece é porque o processo está pronto para ser licenciado. Com essa audiência pública, o Estado está dizendo que vai licenciar o projeto, mesmo sem ter realizado o procedimento de consulta às comunidades tradicionais geraizeiras”, aponta a advogada popular do Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular (CMA), Larissa Vieira.
MPMG recomenda suspensão das audiências
Na tarde do dia 22/03, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) expediu Recomendação Conjunta à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), sobre a aprovação da Licença Prévia e do Licenciamento Ambiental Trifásico, do projeto Bloco 8, em trâmite.
O MPMG argumenta que o Projeto poderá causar sérios impactos sociais, econômicos e ambientais, principalmente na região dos municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho, Fruta de Leite e Josenópolis, no Norte de Minas.
De acordo com a Recomendação, a Semad deve determinar, imediatamente, a suspensão da realização das Audiências Públicas sobre o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Rima, no âmbito do processo de licenciamento ambiental do projeto Bloco 8.
O MPMG recomenda à Sedese e à Subsecretaria de Direitos Humanos, que realizem a Consulta Prévia junto com as comunidades.
“Que seja realizada, em prazo razoável, a Consulta Prévia às Comunidades Tradicionais Geraizeiras potencialmente afetadas pelo empreendimento Projeto Bloco 8, da Mineradora Sul Americana de Metais, nos termos da Convenção 169 da OIT, por meio de protocolo de consulta a ser elaborado junto às comunidades interessadas, devendo para tal ser respeitado o princípio da boa-fé e ocorrer de forma livre, prévia, informada e culturalmente adequada para que não se transforme em mera formalidade procedimental”, aponta trecho do documento.
O Ministério Público de Minas Gerais deu o prazo de cinco dias para a resposta de acatamento à Recomendação ou “para a apresentação de justificativas fundamentadas para o seu não atendimento”.
Mobilização
A Recomendação do MPFMG aconteceu depois da mobilização de moradores da região de Vale das Cancelas. No dia 17 de março foi encaminhado um ofício para seis órgãos de âmbito federal, estadual e municipal, denunciando a violação, pelo estado de Minas Gerais na obrigação de respeitar e de proteger os direitos humanos e aponta irregularidades na realização da audiência pública.
No documento, a comunidade relata que foi surpreendida no dia 8 de março com a instalação de faixas dentro do território com informações sobre a audiência pública e pede a suspensão das duas audiências públicas, pois “deturpam o processo de devida consulta livre, prévia, informada e de boa fé às comunidades tradicionais, como determinado pela Convenção OIT 169”.
O ofício também reivindica a suspensão do licenciamento ambiental da empresa Sul Americana de Metais “até a finalização do processo de regularização fundiária do território e do procedimento de consulta, que deve ser iniciado após a finalização do protocolo de consulta que está sendo construído pelas comunidades”.
O documento foi encaminhado 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento, Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Defensoria Pública de Minas Gerais, Defensoria Pública da União, Ministério Público de Minas Gerais e Ministério Público Federal.
Foto: Coletivo Margarida Alves
Audiência não é consulta
A audiência pública é um requisito formal do processo de licenciamento que não se confunde com a Consulta, procedimento previsto em uma Convenção Internacional que tem caráter de norma supralegal.
“Com a convocação da audiência o Estado sinaliza mais uma vez que continuará dando prosseguimento ao processo de licenciamento e só depois consultará as comunidades. Não faz sentido liberar um empreendimento que está sobreposto a um território tradicional e depois consultar as comunidades tradicionais O Estado está dando continuidade a um processo de licenciamento desrespeitando a Convenção 169 da OIT”, explica Larissa Vieira.
|| O direito à Consulta Prévia garante à população tradicional o direito de participar das discussões e de ser consultada sobre qualquer medida, administrativa e legislativa, que possa atingir seu território, como no caso de grandes empreendimentos. ||
Projeto
O empreendimento Projeto Bloco 8 da SAM prevê a implementação de duas barragens, com capacidade para 845 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineração, atingindo os municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho, Fruta de Leite e Josenópolis.
Marcado nos últimos seis anos por crimes ambientais que dizimaram pessoas e regiões do estado de Minas Gerais, o projeto Bloco 8 pretende abrigar a maior barragem de rejeitos da América Latina. Se instalada, a barragem 100 vezes maior do que a que rompeu em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), em janeiro de 2019.(link matéria sobre Brumadinho)
Território tradicional reconhecido
A comunidade de Vale das Cancelas resiste há mais de 10 anos para que esse grande empreendimento minerário não seja instalado. O Território Geraizeiro é composto por cerca de 73 comunidades (Núcleos Tingui, Josenópolis e Lamarão). Estima-se que pelo menos 2.230 famílias tradicionais sejam atingidas pelo empreendimento da mineradora SAM.
Em 2014, a Lei Estadual 21.147 instituiu a política estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais. Mesmo com uma legislação estadual, o processo de regularização fundiária do território ainda não foi concluído.
A violação dos direitos dos geraizeiros e geraizeiras de Vale das Cancelas pela SAM e pelo governo de Minas Gerais é um dos 15 casos denunciados ao Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado.
Texto: Coletivo Margarida Alves de Assessoria Jurídica Popular /Com informações da Assessoria de Comunicação do MPMG.
Imagem em destaque (topo da notícia): Comunidades Geraizeiras do Vale das Cancelas (MG)