Tribunal Permanente dos Povos (TPP) cobra ações de proteção e responsabilização do estado brasileiro diante das violências contra comunidades de Fundo e Fecho de Pasto do oeste da Bahia
Em nota encaminhada no dia 25 de janeiro, TPP reconhece a gravidade do cenário de repressão e se compromete a colaborar com a visibilização internacional do caso
Diante das graves e crescentes violações de direitos que sofrem as comunidades rurais tradicionais de Fundo e Fechos de Pasto do Oeste da Bahia, o Tribunal Permanente Permanente dos Povos (TPP), em nota divulgada no dia 25 de janeiro, reconhece o cenário de repressão sistemática e cobra ao estado brasileiro medidas cabíveis para proteção das vidas e dos territórios destas populações.
Uma coalizão de organizações da sociedade civil, junto com as comunidades tradicionais da região, encaminhou ao TPP documentos, notas e relatos que comprovam o dramático estado de violações de direitos em que se encontram as comunidades do oeste baiano. De acordo com o Tribunal, “as violações denunciadas com a participação também de grupos armados exigem uma responsabilização clara, urgente e efetiva por parte dos poderes públicos responsáveis”.
O TPP também reconhece o “cenário de negação e repressão sistemática dos direitos das populações em questão e de seus territórios”. A escalada de violência no Oeste da Bahia acontece desde setembro de 2022, sobretudo contra comunidades de Fundo e Fecho de Pasto na região dos municípios de Correntina e Santa Maria da Vitória.
Histórico de violência
Diante dos indícios e, por fim, da concretização da derrota eleitoral de Jair Bolsonaro, diversas violências sucederam-se nestes territórios, entre elas ameaças de morte, disparo de tiros, abertura de trincheiras na estrada, destruição de ranchos, pontes e cercas, além de veredas queimadas, em novas ofensivas realizadas a mando de fazendeiros. A disputa se dá por áreas de vegetação nativa do Cerrado, repleta de veredas com nascentes conservadas pelas comunidades que há mais de dois séculos se estabeleceram na região.
No dia 12 de dezembro de 2022, diferentes entidades e associações comunitárias solicitaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a realização de Audiência Temática sobre o caso, solicitada para acontecer durante o 186º Período de Sessões da CIDH, de 6 a 10 de março de 2023. A manifestação do TPP também é direcionada à CIDH, reforçando e ratificando o pedido de Audiência. “Encaminharemos esta preocupante notificação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para denunciar a permanência e, portanto, o agravamento de uma situação de crimes que ameaçam o próprio direito à existência de comunidades inteiras”, destaca o documento.
Solicitada pela Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR), Articulação Estadual de comunidades de Fundos e Fechos de Pasto, Articulação Estadual de Fundos e Fechos de Pasto da Bahia, Coletivo de Fechos de Pasto do Oeste da Bahia, Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil, Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) e pela Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA/TO), a audiência tem como objetivo apresentar e discutir não somente as violências cometidas contra comunidades tradicionais, mas também o contexto de forte expansão do desmatamento, apropriação ilegal de terras de uso comum das comunidades, secamento de nascentes e rios, e violência contra lideranças comunitárias organizadas em associações que resistem a esse processo.
Leia abaixo a nota encaminhada pelo TPP em suas versões em inglês e português. Clique aqui para baixar o documento na íntegra com seus anexos.
[Inglês]
Dear Sirs and Madams,
This Tribunal has received and carefully evaluated the enclosed document (Annex1) forwarded to our attention by a wide spectrum of well-known and highly representative organisms of the Brazilian society with whom we have been in close interaction over the last several years in the context of the Session of the Permanent Peoples Tribunal (PPT) promoted by the Campanha Nacional em Defensa do Cerrado.
The verdict pronounced by the international panel of Judges of the PPT (Annexe 2) has recognised — on the basis of an amazingly detailed and robust series of reports, analysis, as well as direct witnesses — the gravity of the violations of the fundamental rights of the peoples of the Cerrado, the clear criminal responsibility of the private and public actors, the situation of impunity assured to the collective and individual crimes.
The above-mentioned report received on the Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto dramatically confirms the scenario of systematic denial and repression of the rights of the concerned populations and their territories. The evidences of the violations which are denounced with also the participation of armed groups require clear, urgent, effective accountability by the responsible public powers.
It is clear that the PPT will make more broadly known the prolongation of a situation, which was already qualified as specifically dramatic because also its impact on one of the most critical areas of the whole national and continental biodiversity.
We shall in this sense also forward this very worried notification to the Interamerican Commission of Human Rights, to denounce the permanence and therefore the worsening of a situation of crimes which threaten the right itself to the existence of entire communities.
The recommendations included in the Verdict of Annexe 2 are a clear guide to what should be possible and mandatory for making decisions coherent with your mandate's institutional and human responsibilities.
Rome, 25 January 2023.
Philippe Texier
Président
Gianni Tognoni
Secrétaire général
[Português]
Caros senhores e senhoras,
Este Tribunal recebeu e avaliou criteriosamente o documento anexo (Anexo 1) encaminhado ao nosso conhecimento por um amplo espectro de organismos notórios e altamente representativos da sociedade brasileira com os quais temos mantido estreita interação ao longo dos últimos anos no contexto da Sessão do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) promovida pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.
O veredito proferido pelo painel internacional de juízes do TPP (Anexo 2) avaliou — com base em uma série incrivelmente detalhada e robusta de relatórios, análises e testemunhas diretas — a gravidade das violações dos direitos fundamentais dos povos do Cerrado, a clara responsabilidade criminal dos atores privados e públicos, a situação de impunidade relacionada aos crimes coletivos e individuais.
O referido relatório das Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto confirma dramaticamente o cenário de negação e repressão sistemática dos direitos das populações em questão e de seus territórios. As evidências das violações denunciadas, com a participação também de grupos armados, exigem uma responsabilização clara, urgente e efetiva por parte dos poderes públicos responsáveis.
É claro que o TPP tornará amplamente conhecido o desenrolar do caso, que já foi qualificado como especificamente dramático pelo seu impacto numa das áreas mais críticas de toda a biodiversidade nacional e continental.
Nesse sentido, também encaminharemos esta preocupante notificação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para denunciar a permanência e, portanto, o agravamento de uma situação de crimes que ameaçam o próprio direito à existência de comunidades inteiras.
As recomendações constantes da Sentença do Anexo 2 são um guia claro do que deve ser possível e obrigatório para a tomada de decisões coerentes com as responsabilidades institucionais e humanas do seu mandato.
Roma, 25 de janeiro de 2023
Philippe Texier
Presidente do TPP
Gianni Tognoni
Secretário Geral do TPP
Foto: Associação de Fundo e Fecho de Pasto | Informações: CPT-BA