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Acordo EU-Mercosul e o novo regulamento europeu sobre desmatamento importado são temas de debate durante X Encontro e Feira dos Povos do Cerrado

Na manhã de hoje, 15/09, dezenas de participantes do X Encontro e Feira dos Povos do Cerrado se reuniram na tenda Veredas, na Torre de TV, em Brasília, para discutir o acordo comercial entre União Europeia (UE) e Mercosul, e o novo regulamento europeu sobre desmatamento importado.

Participaram do debate Marcela Vecchione, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Jean Timmers, Gerente de Políticas Públicas para Cadeias livres de Desmatamento e Conversão da WWF Brasil, e Tatiana Oliveira, assessora Política no Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). A atividade foi mediada por Valéria Santos, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Abner Costa, da Agência 10Envolvimento.

Entre os destaques do debate estão as consequências dos acordos e leis internacionais para os povos e comunidades tradicionais. Colocados à margem de qualquer consulta ou debate sobre os termos e implementação tanto do acordo UE-Mercosul quanto do regulamento europeu, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais são as primeiras a sentirem a violência das políticas de quem, desde o norte global, legisla sobre corpos e territórios ancestrais alheios.

“O acordo UE-Mercosul é um acordo para liberalizar as relações comerciais entre os países da Europa e América Latina. Esse acordo vai aumentar a expansão da fronteira agrícola, especialmente as grandes monoculturas de soja e milho; vai facilitar a importação de agrotóxicos, vai aumentar os desmatamentos, a perda da biodiversidade, a especulação imobiliária, entre outras consequências negativas”, alertou Tatiana Oliveira, do Inesc.

Ela também destacou que para viabilizar a troca de commodities nos termos do acordo comercial, é necessária a construção de infraestrutura logística – como ferrovias, hidrovias e rodovias – para escoamento da produção. “Essas estruturas não facilitam nossa vida, mas sim a vida da soja e dos países que querem comprar da gente”, disse Oliveira.

Além disso, o acordo UE-Mercosul, segundo a assessora política do Inesc, fortalece a reprimarização da economia brasileira, a desindustrialização, fomenta empregos de menor qualidade para as brasileiras e brasileiros, fortalece o poder do agronegócio, das empresas transnacionais, e expulsa as mulheres do campo, pois o acordo não foca nas produções agroflorestais e da agricultura familiar, e sim na produção de mocultivos em larga escala.

O acordo UE-Mercosul está sendo debatido há pelo menos duas décadas e teve as negociações finalizadas em 2019 – mas ainda não foi assinado e nem ratificado pelos países, segundo Tatiana Oliveira. O acordo ainda precisa ser aprovado no congresso nacional, no caso do Brasil, e no parlamento europeu.

Até este momento, nenhum documento com os termos do acordo foi disponibilizado amplamente para a sociedade civil. “O acordo foi feito a portas fechadas pelos países desenvolvidos, sem nenhuma transparência. A UE já ultrapassou os Estados Unidos em relação ao destino das exportações brasileiras – primeiro vem China, depois UE e Estados Unidos. Não estamos falando de pouca coisa”, finalizou Oliveira. Para entrar

Cerrado fora da legislação do desmatamento importado

A professora e pesquisadora Marcela Vecchione, da UFPA, iniciou sua fala a respeito do novo regulamento europeu sobre desmatamento importado alertando para o entendimento superficial da lei sobre o que é desmatamento. “Você tem uma reflexão simplista sobre o que é o desmatamento. A dimensão social entra muito pouco. O desmatamento não é entendido como fenômeno social: apropriação de terras, deslocamento, uso de agrotóxicos como forma de expulsão, nada disso entra na legislação. A expansão de infraestrutura [que requer desmatamento], muitas vezes com capital europeu, leva à expulsão, e isso não entra na discussão. Não se fala de mineração: onde tem mineração tem aumento do desmatamento. Nada disso é trazido para o âmbito da discussão sobre o que pode significar desmatamento”, diz Vecchione.

A nova lei foi apresentada em novembro de 2021 pela Comissão Europeia, e pretende regular a exportação e entrada no mercado da União Europeia de determinados produtos básicos e produtos associados ao desmatamento e degradação florestal. Por 453 votos a favor, 57 contra e 123 abstenções, o Parlamento Europeu aprovou a proposta em 13 de setembro de 2022. A União Europeia é atualmente responsável por 16% do desmatamento tropical ligado ao comércio internacional de produtos básicos como soja ou óleo de palma. Nesse sentido, aproximadamente 20% das exportações de soja e pelo menos 17% das exportações de carne bovina do Brasil para a UE podem estar ligadas ao desmatamento ilegal. A proposta tenta conter o efeito que o consumo de determinados produtos produz no desmatamento global e, para tanto, impõe requisitos à importação, exportação, produção e comercialização desses produtos na UE.

Um dos pontos positivos da aprovação do Regramento foi a inclusão da carne suína, ovina e caprina, aves, milho, borracha, carvão vegetal, couro e produtos de papel impresso em seu escopo. Outro destaque é a obrigatoriedade de que as instituições financeiras estejam sujeitas a requisitos adicionais para garantir que suas atividades não contribuam para o desmatamento. No entanto, há ainda muitos desafios para o aperfeiçoamento do Regramento.

Um deles é que o Parlamento Europeu entende que só devem ser protegidas do desmatamento áreas e regiões definidas como "floresta". Isso deixa de fora a proteção de outros ecossistemas naturais, como zonas úmidas, alagadas, pastagens ou savanas - estas últimas seriam o caso do Cerrado, que teria 74% de sua área desprotegida com o atual texto do Regramento. Também é um desafio o fato de que a proposta aprovada não preveja - por enquanto - um mecanismo de responsabilidade civil ou a possibilidade de reparação e compensação por parte das empresas.

Após a votação do dia 13 de setembro de 2022 tiveram início as negociações do texto final entre a Comissão, Conselho e Parlamento europeu.

“A lei foi aprovada, mas para o Cerrado não tem proteção. Se um bioma é protegido e outro não, o que fica desprotegido vira zona de sacrifício. Por que o Cerrado não entra nessa proteção, já que o Cerrado é a região de onde mais se tira commodities para a Europa?”, questionou Valéria Santos, da CPT.

Marcela Vecchione destacou que a lei sobre desmatamento importado está em um pacote de reconstrução da economia europeia. “Não é pouca coisa se pensamos na relação com o Brasil. Depois da China, a UE (Espanha e Holanda) são os que mais importam commodities [do Brasil] – carne, café, madeira, borracha e cacau.”

Valéria Santos destacou que há um prazo até 20 de dezembro de 2024 para se fazer incidência internacional para inserir o Cerrado na cobertura da lei. “Para fazer incidência e inserir o Cerrado [na lei], precisamos apontar as falhas e dizer o que quer que seja incluído, e isso precisa ser dialogado com as entidades e as comunidades. A mineração no cerrado é crescente. A fronteira agrícola se expande com a fronteira minerária.”


 Fotos: Mariana Pontes

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