Encontro “Nós: as águas” debate preservação em tempos de crise ambiental e social
*Por Mário Manzi
O segundo dia do encontro “Nós: as águas – corpos-território em lutas por justiça ambiental”, realizado nesta quarta-feira (03/05), contemplou uma série de atividades envolvendo lideranças indígenas, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras artesanais e de movimentos sociais de todo o Brasil. Pela manhã, os participantes tiveram a oportunidade de realizar uma visita de vivência no Parque Nacional de Brasília, onde puderam entrar em contato com a riqueza e a complexidade do ecossistema local e refletir sobre o Cerrado.
Promovido pela FASE em parceria com a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), o encontro aconteceu entre os dias 2 e 4 de maio, em Brasília, e reuniu líderes, ativistas e especialistas na área ambiental para discutir estratégias e experiências de luta por justiça ambiental em torno da questão da água. Dentre as atividades, foram realizados um círculo de lideranças e um painel sobre os 25 anos da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), sistematizando as discussões sobre o papel do Estado e das empresas na captura e contaminação das águas, além do racismo ambiental que persiste no país. Outro tema crucial abordado foi o papel da resistência ao ecocídio das águas e ao genocídio dos povos que dependem delas. Esse assunto está cada vez mais presente nas discussões sobre a gestão dos recursos hídricos no Brasil e é visto como um elemento fundamental para a promoção da justiça ambiental e social.
Outorgas e saúde dos corpos d’água
Durante a tarde do segundo dia de encontro, foram divididos quatro grupos de trabalho, a fim de abordar questões cruciais para a proteção ambiental e processos de resistência. O primeiro grupo discutiu formas de fortalecer a autonomia territorial, hídrica e alimentar das comunidades, bem como ampliar a proteção das águas. Essa discussão é de suma importância, pois as comunidades tradicionais são as principais afetadas pelas atividades predatórias de grandes empresas e/ou por grandes projetos enunciados como “desenvolvimentistas”, que comprometem o acesso a recursos naturais e ameaçam a sobrevivência desses povos.
O segundo grupo de trabalho concentrou esforços em debater a necessidade de enfrentar as outorgas concedidas para atividades econômicas que causam sérios malefícios aos corpos-territórios e comprometem o abastecimento de água, dado que as atividades do agronegócio, mineração e energia impactam diretamente as fontes de água e causam a contaminação de rios e nascentes. Como resultado, toda a população que depende desses recursos fica sob risco de doenças graves, além de terem suas vidas afetadas pela escassez de água.
A concessão de outorgas para atividades econômicas é uma problemática que afeta diretamente a população que depende dos recursos hídricos para sua subsistência. Essas outorgas restringem o acesso à água pelas comunidades, uma vez que as atividades econômicas que as utilizam consomem grandes quantidades do recurso, deixando pouco ou nenhum para as comunidades locais. Além disso, essas atividades muitas vezes são altamente poluentes, contaminando rios e nascentes e comprometendo a qualidade da água disponível para consumo.
No terceiro grupo de trabalho, lideranças indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais e movimentos sociais discutiram a promoção e restauração da saúde dos corpos-territórios, que têm sido amplamente impactados por atividades humanas que ignoram o valor e a importância desses ecossistemas. A falta de cuidado com os recursos hídricos, como a poluição dos rios, a contaminação de nascentes e o desmatamento de áreas de preservação permanente, comprometem não só a qualidade da água, mas também a saúde das comunidades que dependem desses recursos naturais.
Injustiça hídrica e racismo ambiental
O quarto grupo, por sua vez, debateu a injustiça hídrica incluindo a perspectiva das cidades, lugares onde as pessoas também sofrem com a escassez de água potável e a poluição dos recursos hídricos. A falta de saneamento básico, o despejo de resíduos tóxicos e a má gestão dos recursos contribuem para essa problemática, que precisa ser enfrentada com políticas públicas efetivas e participação da sociedade civil. A ampliação de alianças e o fortalecimento das lutas por justiça ambiental foram colocadas como fundamentais para garantir a proteção das águas e dos corpos-territórios por todo o país.
A questão do racismo ambiental foi abordada de forma transversal por todos os grupos, permeando todas as discussões dos grupos de trabalho, considerando que a injustiça hídrica, a falta de acesso à água potável e a degradação dos ecossistemas afetam de maneira desproporcional as populações negras, indígenas e quilombolas, que muitas vezes são marginalizadas e excluídas dos processos de tomada de decisão que afetam seus territórios. Portanto, a luta por justiça ambiental também foi colocada como luta contra o racismo estrutural, posto que permeia a sociedade brasileira e que se reflete de maneira contundente na distribuição desigual dos impactos ambientais.
As atividades do dia promoveram a troca de conhecimentos e experiências, além de debates intensos e enriquecedores. O encontro – promovido pela FASE, em conjunto com a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado – tem se constituído como uma importante oportunidade para que lideranças e movimentos sociais possam discutir e propor soluções para os desafios que afetam os territórios e as águas do Brasil.
Fotos: Mário Manzi