Tribunal do Cerrado aproxima-se da audiência final e do veredito do júri
Audiência final será realizada em Goiânia (GO) entre os dias 8 e 10 de julho, e deve contar com a participação de 150 pessoas.
Após quase um ano de seu lançamento no Brasil, em 10 de setembro de 2021, o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado está prestes a realizar sua terceira e última audiência temática e a audiência final, durante a qual será apresentado o veredito do júri.
Entre os dias 8 e 10 de julho, na cidade de Goiânia (GO), a audiência temática sobre Terra e Território e a audiência final serão realizadas de maneira híbrida, presencial e virtual, com transmissão pelas redes da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.
A atividade presencial contará com um público de 150 pessoas, entre representantes de povos e comunidades tradicionais, membros do júri, entidades membros da Campanha, além de comunicadoras e comunicadores populares que acompanham e difundem conteúdos do Tribunal do Cerrado desde seu lançamento.
Audiência sobre Terra e Território: quatro casos emblemáticos
A terceira e última audiência do TPP apresentará denúncias centradas nos processos de desmatamento e grilagem de imensas porções de terras públicas e a imposição de grandes projetos de “desenvolvimento”, ao mesmo tempo em que não avançam processos de titulação de terras indígenas e territórios quilombolas e tradicionais da região como processos provocadores do racismo fundiário e ambiental para os povos.
Para esta audiência, serão apresentados os 15 casos analisados pelo Tribunal. Quatro deles ainda não foram discutidos nas duas audiências anteriores. Conheça detalhes deles:
O primeiro caso é o das Comunidades Tradicionais Geraizeiras do município de Formosa do Rio Preto, na Bahia, que há décadas lutam pelo reconhecimento de seus territórios tradicionais. As comunidades enfrentam um conflito histórico com o Condomínio Cachoeira Estrondo, liderado pela família do empresário Ronald Levinsohn (falecido em 2020) e por grande sojicultores (família Horita e outros), que, utilizando da estratégia da grilagem de terras públicas, promove, em articulação com forças públicas e privadas de segurança, há pelo menos 45 anos, expulsões, apropriação ilegal de terras, desmatamentos, contaminação das águas, cerceamento do direito de ir e vir, controle territorial, roubo e morte de animais, violências físicas e psicológicas, ameaças e tentativas de assassinatos de lideranças.
O segundo caso é o das comunidades camponesas do Território Tradicional da Serra do Centro, no município de Campos Lindos, no Tocantins, que lutam pela titulação do território tradicional, enquanto enfrentam a grilagem, contaminação por agrotóxicos, ataques e ameaças pelos empreendimentos de monocultivos de soja de produtores do agronegócio e especuladores imobiliários, beneficiados pelo Projeto Agrícola Campos Lindos, que tem apoio do estado do Tocantins, e pela compra da soja pela empresa Cargill.
O terceiro caso é o da Comunidade retireira do Araguaia do território Mato Verdinho, no município de Luciara, no Mato Grosso. A comunidade luta pelo reconhecimento e titulação do seu Território Tradicional Retireiro, enquanto enfrenta crescente cercamento de suas áreas de uso comunal e coletivo nos varjões do Araguaia por especuladores imobiliários, grileiros de terra e apropriadores da água para empreendimentos de pecuária e monocultivos de soja e, mais recentemente, a ameaça do Projeto Luciara, proposto no marco do Zoneamento Econômico-Ecológico (ZEE) do Mato Grosso, um projeto de monocultivo de arroz inspirado no Projeto Rio Formoso no Araguaia tocantinense.
O quarto e último caso ainda a ser apresentado em detalhes na audiência temática sobre Terra e Território entre 8 e 10 de julho é o das Comunidades Tradicionais Pesqueiras e Agroextrativistas do Território Tradicional do Cajueiro, na zona rural do município de São Luís, capital do Maranhão. As 11 comunidades que formam o território lutam pela oficialização da Reserva Extrativista Tauá-Mirim, autodeclarada em maio de 2015, enquanto sofrem desapropriações, derrubadas de casas destruição do território pesqueiro-extrativista e ameaças provocadas pelo conflito com o projeto logístico portuário da empresa TUP Porto São Luís e da chinesa China Communications Construction Company (CCCC), que têm apoio do estado do Maranhão e prefeitura para escoamento de commodities agrícolas do Matopiba.
Audiências temáticas e depoimentos
Até agora, foram realizadas duas audiências temáticas online, em que lideranças dos territórios impactados falaram de cada uma das violações sofridas em seus corpos e territórios. A primeira audiência temática foi sobre as Águas. Realizada nos dias 30/11 e 01/12 de 2021, a audiência contou com depoimentos de representantes de seis dos 15 casos denunciados pelo TPP. Eles evidenciaram a injustiça hídrica e o racismo ambiental causados pela apropriação privada intensiva e contaminação das águas pelo agronegócio e mineração. A Campanha preparou um documento com a relatoria completa do evento disponível para download.
A segunda audiência temática foi sobre Soberania Alimentar e Sociobiodiversidade, realizada entre os dias 15 e 16 de março deste ano. Representantes de outros seis dos 15 casos analisados pelo TPP denunciaram as violações cometidas pelo agronegócio e mineração, e seus impactos sobre processos demarcatórios, grilagem de terras, queimadas, desmatamento e, de modo especial, na contaminação por agrotóxicos, utilizados como arma química por empresários do agronegócio como forma de exterminar ou inviabilizar a vida dos povos da terra.
O TPP em defesa do Cerrado e seus povos
Nos últimos anos, o Cerrado “entrou no mapa” para muitas pessoas preocupadas com as múltiplas crises e injustiças ambientais que assolam nosso planeta. A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, articulação de 50 movimentos e organizações sociais lançada em 2016, nasce dessa preocupação, e em um contexto de profundas rupturas na institucionalidade democrática no Brasil.
O lançamento do TPP do Cerrado em 2021 foi uma iniciativa engendrada pelo peticionamento da Campanha ao TPP com o objetivo julgar o crime de ecocídio em curso contra o Cerrado e a ameaça de genocídio cultural de seus povos.
A acusação da campanha aponta como responsáveis pelos crimes Estados e entes nacionais, Estados estrangeiros, organizações internacionais e agentes privados, como empresas transnacionais e fundos de investimento. A mineração e o agronegócio - de modo especial o monocultivo da soja para exportação - figuram como principais disparadores de violências contra o Cerrado e seus povos.
"Entendemos que se nada for feito para frear o que está ocorrendo no Cerrado, não se tratará apenas de históricos danos graves e vasta destruição. Estamos diante da ameaça de aprofundamento irreversível do ecocídio em curso, com a perda (extinção) do Cerrado nos próximos anos e junto com ele a base material da reprodução social dos povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais do Cerrado como povos culturalmente diferenciados, ou seja, seu genocídio cultural", diz trecho da acusação.
O TPP do Cerrado apresenta 15 casos, distribuídos entre Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí e Tocantins, estados do Cerrado. Os casos apontam a sistematicidade geográfica e no tempo de certas violações que permitem falar em ecocídio para o conjunto do Cerrado e também em ameaça de genocídio cultural dos povos. Os casos foram selecionados a partir de um amplo processo de escuta e análise envolvendo lideranças comunitárias e organizações de assessoria membros da Campanha.
Incidência política e jurídica
Nos esforços da Campanha em incidir política e juridicamente em instituições públicas em defesa dos territórios do Cerrado e de seus povos, diversos apoios foram conquistados ao longo das atividades do TPP, incluindo a participação de membros do sistema de Justiça, como promotores e procuradores, em suas audiências temáticas.
Em 13/05/22, o Tribunal do Cerrado foi oficialmente apresentado na 58ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Joice Bonfim, advogada e secretária executiva da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, fez a apresentação. Marcelo Chalréo, conselheiro do CNDH, fez a leitura da proposta de Resolução de apoio institucional e legal do Conselho ao TPP do Cerrado, que foi aprovada por aclamação pelo grupo de conselheiras e conselheiros presentes. Além do apoio, o documento explicita o compromisso do Conselho com a implementação das medidas e decisões formuladas pelo TPP.
Para expor o grave cenário socioambiental provocado pelos incêndios e intenso desmatamento no Cerrado, membros de alguns dos 15 casos julgados pelo TPP participaram, no último 19 de maio, de uma audiência pública na Câmara dos deputados, em Brasília, para denunciar violações cometidas por empresas e governos à Comissão Externa de Queimadas em Biomas Brasileiros, coordenado pela Deputada Professora Rosa Neide. A convite da Articulação Agro é Fogo, Davi Krahô, vice-cacique da Aldeia Takaywrá, no Tocantins, e Leandro dos Santos, liderança do quilombo Cocalinho, no Maranhão, contaram como o agronegócio usa incêndios como arma para estabelecer domínio sobre a região e ameaçar os povos, e como, por outro lado, o fogo nas mãos das comunidades tradicionais, que é controlado e usado com a sabedoria de séculos, significa vida. A Articulação Agro é Fogo apresentou e debateu denúncias sobre como se encontra a situação de direitos humanos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais da Amazônia, Cerrado e Pantanal do Brasil.
PROGRAMAÇÃO
08/07 - Abertura e apresentação, estabelecimento do júri, contexto da acusação, apresentação de casos;
09/07 - Apresentação de casos e mesas de debates;
10/07 - Plenária final e declaração do júri;
11/07 - Coletiva de imprensa sobre para apresentação pública do veredito do júri.
Contato para imprensa: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Ilustração: Estúdio Massa / Foto em destaque: Ingrid Barros
Povos e comunidades, Sociobiodiversidade, Águas, Soberania alimentar e agroecologia, Conflitos